sábado, 22 de junho de 2013

Redescobrindo Fernanda Porto


Viver de idas e vindas é, além de construir uma carreira consistente, o movimento escolhido por Fernanda Porto para fugir da monotonia, assim como faz ao tocar vários instrumentos para a surpresa do público que espera assistir apenas a apresentação de uma cantora. Ela acredita que ter espaço no cenário internacional – principalmente para quem trabalha a música unindo harmonias sofisticadas e o suingue brasileiro – é objetivo de todo artista. Mas poucos têm a paciência e respeitam um tempo que é diferente e, sobretudo, se entregam a esse ciclo.


O cotidiano de um mulher que faz todo dia tudo sempre igual, cantado por Chico Buarque, poderia ter sido inspirado em Fernanda Porto, que tem decorados todos os passos e fachadas dos prédios que cruza diariamente quando vai ao estúdio de gravação, construído há cerca de dez anos, como se caminhasse para chegar ao emprego. “Posso fazer o mesmo trajeto sempre, mas posso também tocar piano sem me preocupar com a hora”, equaliza.
Bater o ponto em branco e negro e experimentar novos instrumentos faz parte da rotina incansável da multi-instrumentista que só se ausenta nos períodos de gira internacional. E as turnês estão presentes na carreira de Fernanda, no mínimo uma vez ao ano, desde 2002, quando o hit “Sambassim” a fez estourar no Brasil logo depois de ser executado em todas as boas danceterias de Londres, remixado pelo DJ Patife.
Aquela época foi um turbilhão de desafios e desgaste físico. Fernanda chegou a fazer 25 shows num intervalo de 28 dias, passando por dez países da Europa. Mal conseguia descansar, quiçá conhecer as cidades, com fez durante a temporada desse ano, terminada em maio, por Portugal, Itália, Finlândia e a Londres do roteiro de sempre. Ela esteve ao lado de outra multi-instrumentista, Christianne Neves, com quem se revezava no piano, guitarra elétrica, cavaquinho, sax, bateria e mais uma parafernália.
“Tivemos a sorte de participar de grandes festivais, como é o caso do “Frutas tropicais”, na Finlândia, e conseguir muitos instrumentos, inclusive um piano de cauda. Normalmente se viaja com menos recursos técnico e ter essa oportunidade é uma alegria pra mim que sempre gravei instrumentos acústicos, apesar do trabalho com influência eletrônica”, conta.
Essa surpresa veio junto com outra, que normalmente se repete. “Muita gente vai aos shows esperando ver apenas uma cantora e se depara com duas mulheres que tocam de um tudo. É fácil a gente perceber o espanto e a curiosidade que isso causa na plateia”, diz Fernanda, que se preocupada cada vez menos em observar a reação do público, como forma até de prevenção.
“O principal que tento fazer é ficar inteira, resgatando o cerne das canções. Já tive a fase e o processo de ficar observando e acho que poderia sair frustrada se continuasse assim. Em alguns países a crítica é muito boa, o bis acontece, mas as pessoas interagem menos. Por isso é que hoje tento ficar mais à vontade. Sei que ganho mais sendo sincera e agindo com naturalidade. Eu falo, apesar da timidez. Muitos cantores ainda não perceberam, mas as pessoas não querem só ouvir música, elas querem também conversar.”


“Eu falo, apesar da timidez. As pessoas não querem só ouvir música, elas querem também conversar.”

Timidez e linhas tortas

Nem a carreira de mais de uma década somada a experiência em outros países fez Fernanda Porto superar um laço de acanhamento. O processo de criação é sempre muito isolado e o máximo que ela consegue é trocar com outros artistas na hora da gravação. Reconhece os benefícios das diferentes interpretações da sua música, embora ainda lhe falte desprender dessa partitura de linhas tão rijas. “Com os palcos eu melhorei um pouco, mas ainda continuo sendo uma pessoa muito tímida nesse sentido.”
Uma das quebras dessa barreira aconteceu recentemente, num projeto que misturava pockt show e bate papo. Ela cantava e entrevistava personalidades como o goleiro Zetti, o apresentador Ronnie Von e o navegador Amyr Klink. “Estudei muito sobre a vida de cada um e acho que até me dei bem.”
O encabular talvez cause um comportamento estranho de se ver em um artista. Fernanda tem experimentado e garante ter mais prazer em se apresentar em lugares afastados, ermos de cultura e carentes de outros acessos. “É muito bom ver um público que não sabe bem quem você, se é famosa ou não, mas já ouviu alguma música sua, um público com grandes diferenças de idade. Antigamente eu estranhava que só tinha adolescente na minha plateia e hoje veja uma faixa etária bem variada”, justifica.  
Os jovens são fruto do primeiro CD comercial, totalmente dedicado ao drum and bass e suas possíveis combinações e que fez Fernanda premiada e elogiada por publicações especializadas e tradicionais como a Veja, que dedicou uma reportagem a dizer que ela foi a primeira compositora a consagrar o ritmo eletrônico no rádio, além de emplacar cinco hits num álbum de estreia. Depois vieram discos mais abertos musicalmente, a parceria ilustre com Chico Buarque na faixa “Roda Viva”, de “Giramundo”, e trilhas de filmes com Chico e mais Ná Ozzeti, Toni Garrido e os integrantes da banda Living Colours, Will Calwoun e Doug Wimbish. E assim o público se diversificou. 
É chegada a hora de retribuir e Fernanda vai, sem deixar de lado os múltiplos instrumentos que toca, se fazer percebida como intérprete. Acaba de gravar quinze músicas para compor um disco de repertório emocional e variado, com canções de Frejat, Marina Lima, Antônio Carlos e Jocafi e Fagner e Lulu Santos.
“Muitos efeitos de processamento são prazerosos de fazer e compor é bom com o violão, mas esse disco só tem minha voz e o timbre insubstituível do piano, o instrumento que eu adoro e que tenho no meu estúdio.”

Fotos: Renan Rêgo
* Matéria publicada na revista LivingFor. Texto e fotos contém direitos autorais.


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