Viver de idas e vindas é, além de construir uma carreira consistente, o movimento escolhido por Fernanda Porto para fugir da monotonia, assim como faz ao tocar vários instrumentos para a surpresa do público que espera assistir apenas a apresentação de uma cantora. Ela acredita que ter espaço no cenário internacional – principalmente para quem trabalha a música unindo harmonias sofisticadas e o suingue brasileiro – é objetivo de todo artista. Mas poucos têm a paciência e respeitam um tempo que é diferente e, sobretudo, se entregam a esse ciclo.
Bater o ponto em branco e negro e experimentar novos instrumentos faz
parte da rotina incansável da multi-instrumentista que só se ausenta nos períodos
de gira internacional. E as turnês estão presentes na carreira
de Fernanda, no mínimo uma vez ao ano, desde 2002, quando o hit “Sambassim” a
fez estourar no Brasil logo depois de ser executado em todas as boas
danceterias de Londres, remixado pelo DJ Patife.
Aquela época foi um turbilhão de desafios e desgaste físico. Fernanda
chegou a fazer 25 shows num intervalo de 28 dias, passando por dez países da
Europa. Mal conseguia descansar, quiçá conhecer as cidades, com fez durante a
temporada desse ano, terminada em maio, por Portugal, Itália, Finlândia e a
Londres do roteiro de sempre. Ela esteve ao lado de outra multi-instrumentista,
Christianne Neves, com quem se revezava no piano, guitarra elétrica,
cavaquinho, sax, bateria e mais uma parafernália.
“Tivemos a sorte de participar de grandes festivais, como é o caso do
“Frutas tropicais”, na Finlândia, e conseguir muitos instrumentos, inclusive um
piano de cauda. Normalmente se viaja com menos recursos técnico e ter essa
oportunidade é uma alegria pra mim que sempre gravei instrumentos acústicos,
apesar do trabalho com influência eletrônica”, conta.
Essa surpresa veio junto com outra, que normalmente se repete. “Muita
gente vai aos shows esperando ver apenas uma cantora e se depara com duas
mulheres que tocam de um tudo. É fácil a gente perceber o espanto e a
curiosidade que isso causa na plateia”, diz Fernanda, que se preocupada cada vez menos em observar a
reação do público, como forma até de prevenção.
“O principal que tento fazer é ficar inteira, resgatando o cerne das canções.
Já tive a fase e o processo de ficar observando e acho que poderia sair
frustrada se continuasse assim. Em alguns países a crítica é muito boa, o bis
acontece, mas as pessoas interagem menos. Por isso é que hoje tento ficar mais
à vontade. Sei que ganho mais sendo sincera e agindo com naturalidade. Eu falo,
apesar da timidez. Muitos cantores ainda não perceberam, mas as pessoas não
querem só ouvir música, elas querem também conversar.”
“Eu falo, apesar da timidez. As pessoas não querem só ouvir música, elas querem também conversar.”
Timidez e linhas
tortas
Nem a carreira de mais de uma década somada a experiência em outros
países fez Fernanda Porto superar um laço de acanhamento. O processo de criação é sempre muito
isolado e o máximo que ela consegue é trocar com outros artistas na hora da
gravação. Reconhece os benefícios das diferentes interpretações da sua música,
embora ainda lhe falte desprender dessa partitura de linhas tão rijas. “Com os
palcos eu melhorei um pouco, mas ainda continuo sendo uma pessoa muito tímida
nesse sentido.”
Uma das quebras dessa barreira aconteceu recentemente, num projeto que
misturava pockt show e bate papo. Ela cantava e entrevistava personalidades
como o goleiro Zetti, o apresentador Ronnie Von e o navegador Amyr Klink.
“Estudei muito sobre a vida de cada um e acho que até me dei bem.”
O encabular talvez cause um comportamento estranho de se ver em um
artista. Fernanda tem experimentado e garante ter mais prazer em se apresentar
em lugares afastados, ermos de cultura e carentes de outros acessos. “É muito
bom ver um público que não sabe bem quem você, se é famosa ou não, mas já ouviu alguma música sua,
um público com grandes diferenças de idade. Antigamente eu estranhava que só tinha
adolescente na minha plateia e hoje veja uma faixa etária bem variada”, justifica.
Os jovens são fruto do primeiro CD
comercial, totalmente dedicado ao drum and bass e suas possíveis combinações e
que fez Fernanda premiada e elogiada por publicações especializadas e
tradicionais como a Veja, que dedicou uma reportagem a dizer que ela foi a
primeira compositora a consagrar o ritmo eletrônico no rádio, além de emplacar
cinco hits num álbum de estreia. Depois vieram discos mais abertos
musicalmente, a parceria ilustre com Chico Buarque na faixa “Roda Viva”, de
“Giramundo”, e trilhas de filmes com Chico e mais Ná Ozzeti, Toni Garrido e os
integrantes da banda Living Colours, Will Calwoun e Doug Wimbish. E assim o público se
diversificou.
É chegada a hora de retribuir e Fernanda
vai, sem deixar de lado os múltiplos instrumentos que toca, se fazer percebida
como intérprete. Acaba de gravar quinze músicas para compor um disco de
repertório emocional e variado, com canções de Frejat, Marina Lima, Antônio
Carlos e Jocafi e Fagner e Lulu Santos.
“Muitos efeitos de processamento são prazerosos de fazer e compor é
bom com o violão, mas esse disco só tem minha voz e o timbre insubstituível do
piano, o instrumento que eu adoro e que tenho no meu estúdio.”
Fotos: Renan Rêgo
* Matéria publicada na revista LivingFor. Texto e fotos contém direitos autorais.
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