quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Porta do céu


Para fugir dos coffee shops da Holanda, onde a fumaça cinza encobre o olor dos cafés, bom mesmo é procurar uma cafeteria estrelada e bem mais perto das nuvens. E o Sky Lounge oferece isso e mais uma vista de tirar o fôlego. 

Bicicletas incessantes transitam pelas ruas planas e cercadas de prédios de quatro pavimentos. Durante o verão, sentar em qualquer cafeteria com mesas na calçada para ver esse frenesi de pedais e sinetas, alertando turistas desavisados a passar pela pista exclusiva para duas rodas, é um dos mais simples e deliciosos prazeres de Amsterdam. Mas, fugir desse cenário repetitivo pode ser um belo convite ao paraíso.
Onze andares acima do solo, o Sky Lounge oferece outro ponto de vista: o de uma incrível cidade cortada por canais, silenciosa e que se move em câmera lenta. O espaço fica na cobertura do Hilton DoubleTree e funciona todos os dias da semana, inclusive recebendo quem não é hóspede do hotel.
O serviço é de classe internacional, como a rede, e oferece uma carta completa, mas o último serviço de cozinha, independentemente do dia, é às 22h30. Portanto, se quiser provar qualquer das maravilhas preparadas além do bar, é preciso chegar cedo. De resto, saiba que os cafés são deliciosos e acompanhados de doces feitos por lá. Cada um vem com três pequenos pedaços, mas a reposição é livre. E impossível não pedir mais um.

 Além do capuccino com doce na medida, o macchiato latte tem a verdadeira espuma de leite. Bem manchado, como dizem os italianos e baristas. Aliás, foram esses profissionais que começaram a usar o termo passa assinalar quais xícaras continham a mistura, ao invés do expresso puro. E, claro, prepare-se para experimentar o melhor nougat da sua vida, de textura macia e recheado com noz, pistache, avelã e frutas cristalizadas.
Em tempos de céu aberto, bom mesmo é esquentar o corpo na parte externa do lounge. Durante o dia é possível observar o vai e vem das embarcações e, quando cai o sol, lâmpadas se acendem fazendo lembrar as quermesses que acontecem em muitas regiões do Brasil.
Dentro, dá pra perceber a tentativa de acolhimento do espaço. Apesar do pé direito alto, inclusive para ressaltar a amplitude do lugar, há dois espaços menores, nos cantos, com o mesmo capricho no mobiliário. O atendimento é outro ponto que faz qualquer um se sentir em casa. 

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Moda 00's



Feita de ciclos, a moda recomeça nos anos 2000: voltamos a estaca zero, pelo menos no Brasil. Mas não se trata de uma involução, senão de um salto promissor para o mercado internacional. Foi na virada da década que o país passou a ser inserido no calendário global, impulsionado pela carreira meteórica da übermodel Gisele Bündchen, considerada nesse ano a modelo mais bonita do mundo pela revista Rolling Stone.
Estilistas já consagrados por essas bandas beberam na fonte da cultura popular e regional do país e também ajudaram a atrair olhares. Lino Villaventura, Ronaldo Fraga e André Lima foram alguns dos nomes responsáveis por passar as impressões e o corte que respeitava o corpo das brasileiras, evidenciando uma questão fundamental: a identidade.
Fazer essa analogia é impossível sem recorrer o primeiro produto exportado. E foi a Cia. Marítima que em 2001, no primeiro ano da São Paulo Fashion Week, fechou uma transação com Gisele, pagando cachê de 30 mil dólares e elevando o de outras jovens modelos como Isabeli Fontana e Mariana Weickert. Enquanto isso, o mundo se assombrava com a derrubada de um símbolo da economia americana, o World Trade Center, e Osama bin Laden passava a ser considerado um dos homens mais procurados do mundo.
O empresário da marca Benny Rosset colheu os louros desse investimento na passarela. Vestindo quase nada, ressaltando as curvas, Gisele foi capa da L’Officiel Paris e saiu na Time, gerando uma mídia espontânea inimaginável. Calcular é possível, mas atinge proporções de assustar. Basta dizer que no ano seguinte cada  contrato com Gisele já girava em torno de R$ 1 milhão.
O negócio deu um salto de projeção, mas caiu no limbo do abstracionismo. Até a metade da década os números do faturamento não acompanhavam a escala criativa. A moda tinha muito mais inspiração que transpiração e os negócios precisaram passar por uma guinada. China e Índia já haviam entrado na briga pelo mercado quando a indústria têxtil passou a ocupar a sexta posição no ranking mundial, de acordo com dados da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção.
Cerca de 1,65 milhão de funcionários de quase 30 mil indústrias produziam 7,2 bilhões de peças por ano, inclusive as que eram comercializadas em cadeias populares a exemplo da C&A, que passou vestir a maior modelo de todos os tempos em suas campanhas e criou um fenômeno de conversão em massa à modernidade. Como contraponto, a Osklen era inaugurada em Tóquio.
Gisele virou estrela e ditou o rito de passagem de artistas da música, do cinema e da televisão para o universo da moda, enquanto Beatriz Milhazes e Vik Muniz, dois grandes artistas plásticos brazucas, eram reconhecidos além fronteira, não aqui, como prova da desvalorização do santo de casa. Estouraram os programas de realidade, as celebridades começaram a ser perseguidas por paparazzi e foram acentuadas as divergências.
Lembro de uma dessa passagens da übermodel por uma pequena cidade litorânea, nos rincóns do Nordeste: minha cidade Natal. Focada por uma câmera de televisão, de uma emissora em que eu trabalhava, a moça não apenas se esquivou de uma entrevista como acarinhou as imagens exclusivas com o estirar do dedo maior de sua mão direita.
Por fora, um corpo perfeito. Esse estilo de beleza passou a ser perseguido e nessa caça se realçou outra fase obscura da moda. Distúrbios psicológicos e alimentares cresceram em outra velocidade galopante. A ditadura da magreza passou a ser questionada. Mas, por infortúnio, o mesmo não aconteceu com a busca pela eterna juventude.
O natural e o artificial passaram a conviver. De um lado havia a preocupação com o sustentável. Do outro, as cirurgias estéticas. Essa roda dicotômica não parou de girar e hoje, olhando pra trás, apesar do progresso e da nova ordem, cabe perguntar: ainda somos tão jovens ou pra tudo tem idade?

Texto: Cristiano Félix
Arte: André Soares

Moda 90's




Onde quer que procure sobre a moda atual, você há de ler: “os anos 90 estão de volta!”.
O que tanto se repete sobre a tendência, mas poucos parecem entender, é que o que o novo clichê da temporada significa, pouco tem a ver com jeans rasgados, flanela xadrez ou cabelos ensebados. Ou melhor, tem tudo a ver: mas não do jeito que se imagina.
No mundo da moda é claro que o que dita às regras são as vendas. Mas foram e são exatamente sobre elas que recai o que chamamos de moda (ou seria a antimoda?) ‘grunge’.
Para entender o frisson estético da década rebelde (digo estético, pois não se limitou às roupas - música, cinema e outros ícones comportamentais encontraram-se todos dentro dessa camisa de flanela) é necessário, portanto, voltar a história econômica dos EUA e mundial.
O fim dos anos 1980 trouxeram consigo um hiato melancólico para a geração que viveria entre o fim das guerras, a recuperação de uma economia abalada e o medo que viria no pós 11 de setembro de 2001. Àquela juventude sem esperanças, ironicamente, seria concedido o direito de (voltar) a sonhar. E viver, para além de uma cultura com os olhos voltados para a bolsa de valores.
Grunge significa, sobretudo, sujo. A estética dessa moda marginal assumiu para si um protesto ‘anti-tudo’. Mais especificamente, ante todo o establishment e brilho dos anos 80: ao contrário das gravatas e dos cabelos engomados do jovem yuppie - young urban professional -, o ‘new look’ cresceria de uma economia ainda em recuperação.  Esse jovem que, com a falta de empregos resultante da década anterior, teria tempo de sobra para deixar o cabelo e a barba crescerem e faria dessa desesperança um universo contracultural dos mais interessantes. E que embora rico culturalmente, era bastante pobre financeiramente.
E daí, qual solução as vendas e a moda encontraria para vestir essa gente?
Roupas de brechó eram baratas e atemporais (além de remeterem aos clássicos, fossem beats, fossem cowboys, fosse o Elvis Presley). O minimalismo cumpria uma questão funcional e os jeans, esses já estavam rasgados de velhos. Os cabelos, sujos e longos, eram sinal de protesto e segundo alguns, de preguiça - assim justificavam a falta de banho do Kurt Cobain. Mas não seria a preguiça uma prima irmã da melancolia e ao mesmo tempo uma atitude ‘anti-atitude’? Uma negação à disposição de produzir, tal qual exige o sistema capitalista?
Então, a cultura que não produzia estava repleta de muitas siglas ‘anti’. Eram anti-heróis como River Phoenix que se tornariam símbolo de rebeldia, tal qual James Dean (sim, essa mesma moda que hoje revisita os 1990 para expressar uma economia mundial em crise já havia visitado os anos 1950 do pós-guerra para lamentar uma juventude ‘perdida’ – consta que entre 1990 e 95 os EUA tiveram seu pior crescimento econômico desde o pós-guerra).
Foi assim também, pelas mãos de um jovem iniciante desinteressado em produzir que a antimoda tomou as passarelas de alta costura. Alguém que faria daquela piada não consumível algo consumado: Marc Jacobs. Sim, o mesmo estilista que recentemente decidiu falar de bruxas-grunge ao invés de princesas, após o casamento de Kate Middleton. Na mesma Inglaterra ‘pós-riots' juvenis.
Portanto, da próxima vez que você ler por aí que “os anos 90 estão de volta” tente por um segundo se esquecer daquele par de jeans rasgados e lembrar de um mundo e de um sistema que começa a tentar se reerguer após uma grande crise econômica. Que parece começar a perder o medo dos ataques terroristas - as tais novas guerras do século XXI - e tente, quem sabe, sonhar.
Tente. Ainda que seja sem esperança, de um jeito um tanto quanto melancólico e perdido. Mas que te permita pensar sobre um novo modelo de sociedade, sobre uma nova juventude, e novos ícones para essa cultura. Eu já escolhi meu novo James Dean. E você, vai sonhar com a nova princesa da Inglaterra?



Texto: Thiago Pethit
Edição: Cristiano Félix
Foto: Giovanna Hackradt
Arte: André Soares

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Kika Martinez na LivingFor


Kika Martinez estrela editorial de moda da décima edição da LivingFor. Depois de fazer carreira como apresentadora da MTV, ela tem um novo desafio: comandar entrevistas e reportagens do maior programa de auditório do país, o Domingão do Faustão. No ensaio que poderá ser visto na próxima semana, ela mostra sua faceta de modelo, como tudo começou.


Fotos: Carlo Locatelli
Estilo: Alexia Costa
Beleza: Allan Jhonnes

domingo, 18 de agosto de 2013

Sonora ebulição



Com doze anos de carreira e seis álbuns, a cantora Luiza Possi entrou num mercado em transformação no início dos anos 2000 e enfrentou desafios, como de resto aconteceu com diversos artistas. No Brasil, milhares de quilômetros distante da terra das college radios que difundiram a proposta do R.E.M., o mercado fonográfico do final dos anos 1990 foi marcado pelo jabá e viciou gravadoras então acostumadas a vender cópias de álbuns em volumes de pelo menos seis dígitos.
Registre-se essa informação para entender os motivos de Marcelo Camelo -  antes de se tornar um aclamado compositor - e sua trupe hoje abominarem o primeiro single do homônimo Los Hermanos: “Anna Julia”, a melódica trilha de uma banda que se intitulava hardcore. Pagaram para divulgar a música em rádios por todo o país até que ela foi tocada exaustivamente, grudou e cansou. Foi ali que se abriu o precedente para que as gravadoras deixassem de investir na descoberta do novo e o consumidor tivesse o ouvido destreinado para identificar propostas realmente inovadoras.
Pouco mais de dez anos atrás foi preciso fazer uma revolução na forma de consumir música para não cair no ostracismo do que era entregue pela grande mídia. Reféns também eram os artistas que vinham de uma escola vibrante e encontravam pouco espaço para atuar. Fugindo da condição de vítima, começaram a disponibilizar músicas pela internet, o que só se consolidou apenas há pouco, assim como o hábito do público de procurar pelos blogs os encontros em becos e outros espaços fora do circuito, visitados por músicos alternativos.
O curso é irreversível: na rede surgem promessas musicais que depois de milhares de visualizações e downloads conseguem espaço na TV e nas rádios. Ou, tamanha é a velocidade, as duas coisas acontecem ao mesmo tempo. Não é por acaso que cada vez mais artistas aceitam a exposição de realitys televisivos, como observa Luiza Possi, que já julgou e treinou participantes do Ídolos, da rede Record, e do The Voice Brasil, da Globo.  


“A música sempre foi o primo rico do cinema, da literatura e do teatro, mas isso mudou muito. A indústria fonográfica já chegou a ser a 12ª do Brasil e hoje em dia ela é quase inexistente. Eu lembro que pouco tempo atrás quando um artista falava que era independente, as pessoas olhavam com dó. E hoje ser independente é um luxo. Artista independente se banca, investe onde quer. A carreira tem para onde ir, tem horizonte. Apesar disso muita gente procura espaço na mídia tradicional pra alavancar a carreira. A televisão é o maior canal de exposição para um artista. É onde ele consegue chegar aonde ele não chegaria sozinho. Digo isso por experiência própria: rádio tem um alcance, internet tem outro, mas televisão é ‘o alcance”, analisa.
Os dados do mercado referentes ao ano de 2012 ainda não foram consolidados, normalmente só saem no mês de abril. Mas desde o ano anterior já houve sinais de aquecimento, justamente porque os novos músicos conseguem sair dos guetos e ocupar outros espaços midiáticos que não a internet. A Associação Brasileira de Produtores de Discos (ABPD) constatou em 2011 um crescimento de 8,4% no faturamento da indústria que chegou a R$ 373,2 milhões. CDs, DVDs e Blu-Rays tiveram 7,6% mais saída e o formato digital foi ampliado em 12,8%.
Aliás, o digital segue sendo a terceira fonte de renda, respondendo por 16%, mesmo que seja percentualmente a metade da média mundial. Os próximos números, porém, podem surpreender, já que a chegada do iTunes, loja virtual da Apple, ao Brasil, aconteceu apenas em meados de dezembro. Não houve um impacto significativo, mas isso deve mudar, haja vista que o download de músicas avulsas teve aumento de 310% na última medição.
“Ter identidade e independência é fundamental para o processo. Nenhuma gravadora diz que acabou o dinheiro. Se o artista depende dela, quando se dá conta já está preso, encalacrado”, ressalta Luiza.

Cheia de hormônios e nada blasé

Foi por isso que Luiza abriu ainda em 2006 seu próprio selo, o LGK Music, tendo apenas a distribuição dos álbuns pela EMI/Som Livre. “Minha gravadora sou eu, mas não estou sozinha. Nem quero essa responsabilidade de ter de decidir todas as coisas. Gosto de contar com pessoas. Apesar de pensar em música pra rádios e pra novela, elas tem de estar dentro do meu universo. Nunca vou gravar algo que seja forçado.”
A cantora compõe e pela primeira vez tem um álbum sem a direção artística do pai, o músico Líber Gadelha, e com a participação da mãe Zizi Possi. “Trabalhei com meu pai até que não deu mais”, fala, sem detalhes, apenas concluindo: “Hoje vejo minha família de um outro ângulo. Eu tenho de honrar minhas raízes e esse dom, que é hereditário, e todas as oportunidades que meus pais me deram.”
Zizi divide uma faixa com Luiza pela primeira vez, no sexto álbum da carreira. E ela argumenta a falta de convite. “Não queria que meu trabalho refletisse o da minha mãe. Ela já tem uma carreira que é linda e eu queria mostrar que podia sozinha.” Poder sozinha é o que ela mostrou desde o início, ainda adolescente. Enquanto Zizi pediu que aguardasse mais “uns três anos” para gravar, ela dispensou os conselhos e se embrenhou num estúdio com orquestra e tudo. “Sempre fui muito independente. Componho quase todas as faixas do meu CD. Meu show é pra cima, dançante. Não estou numa fase Acústica e nem faço o tipo blasé. Não sou dessas, tenho muito hormônio.”
Luiza, ninguém duvidaria dessa ebulição. Sua e de tantos outros irrequietos.   

Matéria publicada na sétima edição da revista LivingFor
Fotos: Ramón Vasconcelos

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Princesa Violeta


Sheron Menezzes é testemunha de que a boa prática da atuação exige do profissional lições básicas de empreendedorismo. Na rotina de quem dá vida a personagens a inspiração é a menor parcela. Quase todo o processo é de transpiração, muito trabalho. E é preciso saber também que qualquer história, por mais desenhada que pareça, pode ser contada de várias maneiras. Longe dos holofotes ela faz sua parte: ajuda crianças carentes, a maioria negras, a se livrar do estereótipo abjeto. Mostra que a imagem preconcebida não é uma mentira, mas não passa de um desenho incompleto.


Foi a matriarca da família Menezes, a professora Veralinda, quem criou a personagem Princesa Violeta, inspirada em Sheron. É com ela que mãe e filha trabalham juntas um projeto de responsabilidade social, aplicado em escolas da rede pública. A iniciativa visa a inclusão de meninas em idade escolar através do incentivo a leitura.
“Quando a gente vê essas jovens, quase todas negras e de família pobre, nota logo que elas não imaginam que poderiam ser princesas de verdade. Realmente as meninas não tem como ser a Cinderela ou a Branca de Neve, mas elas podem ser a Princesa Violeta. Existe uma identificação com o universo delas. Nunca tive nenhum problema com preconceito porque eu me aceito e me amo e isso exala. Acho que a auto-estima tem de ser trabalhada desde cedo pra que elas cresçam se sentido bem, sem querer alisar o cabelo ou se pintar com maquiagem pra tentar ficar com a pele mais clara. Infelizmente ainda existe muito disso”, comenta.
Esse mesmo pensamento tem a escritora Chimamanda Adichie. Palestrando mundo afora, essa africana fala sobre o que chama de “o perigo da história única.” Conta que foi uma leitora precoce e começou a escrever muito cedo também, aos sete anos. Suas personagens eram invariavelmente loiras, de olhos azuis, comiam maçãs e ficavam felizes quando fazia sol. Tudo eram apenas uma reprodução da literatura que ela consumia, não importando que ao seu redor as crianças chupassem magas e todos os dias fizesse bom tempo. Naquela iniciação, era como se os africanos não tivessem espaço nos livros.
Só quando conheceu os escritores do seu país e pôde frequentar una universidade nos Estados Unidos, se apercebeu de novas versões, analisando o quão somos vulneráveis face a uma história. No outro continente ela se deparou com novos olhares estreitos, como o de uma aluna da mesma sala que ficou espantada com o domínio de Adichie falando em inglês, sem saber que esse é o idioma oficial da Nigéria, onde ela nasceu. O retrato da sua pátria que é passado por muitas mídias, ela reconhece, é de belos animais e pessoas morrendo de fome e em decorrência da AIDS. Mas, ao mesmo tempo, a escritora defende: existe além. Abreviando o discurso, sem tanto prejuízo para a verdade, se conclui que uma história única rouba a dignidade das pessoas. E a mesma história que destrói, também pode reparar a dignidade perdida.
Sheron também não negligencia. Dona de muita energia, distribui sua força em mais de uma dezena de projetos sociais, não apenas com crianças, mas com animais. Nos últimos tempos resgatou quatro das ruas. Um deles mora com a mãe e os outros dividem espaço com a atriz no seu apartamento no Rio. Os bichos ganharam nomes divertidos, verdadeiros chistes. Tripé é um gato de três patas e os dois cães homenageiam Frida Kahlo e Fidel Castro. Batata Frida e Fidel Castrado contribuem com a veia mais atuante de Sheron: cuidar dos animais. “Minha preocupação com o outro é natural. Mas antes de abraçar uma causa, tomo meus cuidados. É importante saber se uma entidade é crível. Afinal, ela só consegue se projetar e ampliar o trabalho se as pessoas conhecem, acreditam e ajudam”, destaca.

Rotina

Parece não ter onde caber, mas Sheron Menezzes ainda encontra disposição para outras atividades. Corre, pratica ioga, kickbox (sim, ela já se machucou. Torceu o pé pouco antes do carnaval deste ano e mesmo assim desfilou) e ainda se divide entre palcos, televisão e o que mais pintar. Atualmente está em cartaz com a peça Açaí e Dedos e ainda conciliou teatro com a novela “Aquele Beijo”, de Miguel Falabella. A morena viveu Grace Kelly, uma jovem que foi abandonada pela mãe e cresceu num orfanato. Foi o primeiro papel de vilã da carreira. “Ela acha que já sofreu muito e merece vencer na vida. Não tem escrúpulos e acredita que está certa em ter tanta ambição. É um desafio”, diz.
Sheron é de fases. Fã de Billie Holiday,  está apaixonada por Nina Simone. “Eu sou do blues e do jazz, mas a gente tem vários momentos na vida e de vez em quando ouço outras coisas”, revela. O que não tem jeito de mudar é a maneira de se vestir. Ela acredita que estilo é ter autenticidade. O cabelo crespo e o tom da pele são destaque. E, com eles em evidência, realmente dá pra compor um visual com pouco. “Ninguém acredita que eu sou básica, mas acho que sou assim porque minha herança genética tem uma exuberância natural. Qualquer coisa que ponho a mais pode parecer excesso. Como trabalho com imagem, procuro estar atenta a toas as tendências, mas não sigo moda. Eu sei o que está na moda e incorporo uma ou outra peça.  Me incomoda ver todo mundo igual.”
Cá entre nós, básica como for, essa princesa merece o trono.

*Matéria publicada na primeira edição da LivingFor.
Fotos: Giovanna Hackradt.