sábado, 10 de outubro de 2009

É de se combinar

Naquele rosto havia um mistério que me devorava as unhas mandíbulas nervosas. Algumas coisas eu confesso, outras não. Como esse é um território livre, devo dizer que me causa uma angústia visceral não conseguir interpretar gestos. Um pequeno intervalo observado vira um abismo, como se o tempo tivesse escala semelhante às taxas da economia chinesa.
Você bem sabe que sou expansivo, exagerado, ainda que não tenha tocado aquele projeto de artes cênicas, iniciado ainda quando começava os estudos pra ser jornalista. Mesmo com a interrupção, aprendi a vocalizar bem o que digo e ter asas ao invés de braços.
Movimentos contidos geralmente são mais difíceis. O minimalismo é uma experiência ainda um tanto desconhecida por mim. Por isso aquele descontrole, desculpe. É que na hora, de quando em vez não consigo entender que o seu clímax pode ser bem diferente da minha pressa. Mas, mesmo que me atirem uma pedra, pergunto: quem nunca errou?
Tenho uma amiga que fica louca na condição de expectante. Come chocolate – mesmo sabendo que não adianta e invariavelmente em meio a essa crise estará fazendo regime– e até vai sozinha ao cinema. Vendo alguém tão desacompanhado num ambiente que está passando de cultura a entretenimento, com direito a acréscimo de manteiga na pipoca e ruído na sala, eu normalmente acho que é loucura.
Um que eu julgava mais inquieto disse outro dia que tem recorrido ao shiatsu, florais de Bach e levanta bem cedo pra correr na praia. Quando nos falamos, ele lamentou o próprio estado de nervos, mas argumentando que a culpa era do caráter de urgência de uma decisão: aceitar o não um novo trabalho, tendo de mudar de cidade.
Hoje cedo falei com um terceiro, questionando sobre o que fazia quando não há nada além de espera. Ele me recebeu dizendo que o feriado iria bombar, já que era prontamente recebido como uma pergunta dessas. Pra aliviar, dependendo do caso, vale comer doce, dançar ou fazer qualquer outra atividade com o corpo, como musculação ou bater uma punheta.
Outro amigo tem o mesmo gosto musical que eu, ultimamente se demora mais com meus cds e compartilha um mesmo pensamento. Não há regras. Não adianta tentar conter bichos como a ansiedade. Eles correm soltos e nunca conseguimos bem ver a cara, só um vulto intempestivo. A gente até identifica a presença por causa do ritmo mais acelerado e o subir e descer de borboletas pela boca do estômago, mas interromper é impossível.
Minha angústia está passando. Dentro desse último mês o único que fiz foi tentar mudar em mim um aspecto que nada tem a ver com aquele movimento idiossincrático que você costuma questionar. Estou revendo minhas vozes de comando. Elas são tão perturbadoras quanto clichês. E essas repetições – percebi nada mais começar a escrever - estão passando a capturar os meus textos. Realmente devo ser apedrejado.
Acho que até a publicidade já cansou do modo imperativo, dando conta que ele vira jargão e passa a ser transparente. Volto a dizer que, a despeito do tempo, nem sempre vai ser possível reconhecer teu olhar. Estou me analisando e tentando reinventar. O meu olhar é de rabo de lagartixa. Portanto, que tal continuarmos aquela idéia de tentar transformar expectativa em combinação?