domingo, 23 de junho de 2013

Vermelho para renascer


A empresária Flávia Flores não gostava da cor até que aprendeu uma nova maneira de se olhar. Vítima de um câncer de mama, encontrou na internet uma ferramenta para lidar com as mudanças no corpo, diminuir dores da quimioterapia e compartilhar informações de moda. Encontrou, claro, seguidores e fãs.


Dez dias de lágrimas renderam um rosto deformado. A ira e a incompreensão de descobrir um câncer, isolamento. Foi o que aconteceu com a empresária Flávia Flores, 35, e certamente milhares de mulheres ao redor do mundo, que, como ela, receberam um diagnóstico de câncer da mama, o segundo tipo mais frequente no Brasil, respondendo por 22% dos casos novos a cada ano, segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA).

O que diferencia Flávia de outras, porém, é a forma de reagir. Passado o período de negação e luto, a doença descoberta em outubro do ano passado - relativamente rara de acontecer antes dos 35 anos – se transformou em uma oportunidade de reaprender a utilizar artifícios de moda e beleza.
Depois de procurar referências na internet e sem achar nada que lhe ajudasse a cruzar o tempo de mudanças, ela criou uma fan page num site de relacionamento para dividir o que encontrava pelo caminho em busca de uma nova estética e feminilidade. Acabou se deparando com outras jovens que estão na mesma situação e precisam fazer as pazes com o espelho.
“A mulher tem de ajudar uma a outra e falar: existe um novo estilo de beleza pra gente que está atravessando essa fase. E cada vez mais é uma fase, depois a pessoa se cura. Tem muito câncer curado. Foi genial. Eu acho que muito ajuda muitas mulheres”, disse a atriz Marisa Orth, amiga de Flávia, em um vídeo introdutório sobre o projeto Quimioterapia e Beleza.
“Ao descobrir a gente entra numa espécie de transe, depois chora até achar que não vai mais conseguir voltar ao normal, fica agressiva. Eu dava patada em qualquer um que se aproximasse. A iniciativa de usar a internet era primeiramente compartilhar com meus amigos e familiares a evolução do processo, pra que eles não tivessem mais medo de chegar a mim”, conta, explicando que não esperava tanta notoriedade.



 “Além de usar minha experiência com a moda na internet, eu quis mostrar a meus amigos e família que não precisavam mais ter medo de chegar em mim, que eu estava conseguindo passar pelo tratamento e me divertindo com minhas perucas.” Flávia Flores, empresária.


“A mulher tem de ajudar uma a outra e falar: existe um novo estilo de beleza pra gente que está atravessando essa fase. E cada vez mais é uma fase, depois a pessoa se cura.” Marisa Orth, atriz.

Não havia histórico de câncer de mama na família e Flávia costumava fazer auto-exame. Mãe as 15 anos, colocou prótese de silicone nos seios pela primeira vez aos 19, de um tamanho que pouco se fabrica atualmente: 150 ml. “Meus seios sempre foram pequenos e por isso não foi difícil encontrar o tumor. Eu estava no banho, me ensaboando e senti. Na hora da cirurgia para retirada descobri que eram quatro.”
A mastectomia aconteceu nas duas mamas, por indicação médica, e Flávia fez a recomposição imediata dos seios, com novas próteses. Um namorado à época a acompanhou durante a cirurgia e depois sumiu, simplesmente. “Contei logo que recebi o resultado da biopsia e ele me deu força, disse que a primeira mulher dele também teve câncer e está curada. Mas depois da cirurgia ele me deletou do facebook e não atendeu mais meus telefonemas. Vai entender uma pessoa assim! Dia desses eu fui ver e ele está noivo de outra.”
A página de relacionamentos, no entanto, reservava outra surpresa a jovem. Um antigo amigo comentou que ela havia ficado muito bem com o novo visual de cabeça raspada, mesmo sem saber que era em decorrência da doença. “No início eu recusei as investidas dele porque não queria me machucar novamente. Era mais fácil procurar alguém saudável, que o acompanhasse em tudo. Nem assim ele desistiu de mim e está dando super certo”, conta.
Assim como Flávia, que ingressou no universo da moda aos 13 anos, foi modelo e professora de manequim, trabalhou em loja e como gerente de marketing e comercial de uma marca de roupas, o namorado também é da área. Dirige o comercial de uma empresa do ramo e vive em São Paulo, para onde ela agora sempre viaja, já que durante o tratamento decidiu deixar a maior metrópole do país e voltar para a casa dos pais em Florianópolis.
“Além de usar minha experiência com a moda na internet, eu quis mostrar a meus amigos e família que não precisavam mais ter medo de chegar em mim, que eu estava conseguindo passar pelo tratamento e me divertindo com minhas perucas. Terminou que acabei criando um canal pra me ajudar e ajudar muitas mulheres.”
Alguns dos conselhos passados na página são de outras garotas, que também tiveram suas experiências, como Simone Peluso, que passou por uma quimioterapia do tipo azul. "Quando se faz ‘quimio’, o organismo tem sua imunidade prejudicada. Podem aparecer doenças oportunistas e sensibilidade a cosméticos, alimentação etc. No quesito maquiagem, tente sempre usar as que são minerais, pois são hipoalergênicas. Os hidratantes também podem seguir a mesma linha para pele sensível. E se o cabelo cair, aproveite pra abusar da maquiagem e criar um estilo. O lance é lutar com o que se tem!”

Moda não é futilidade

Figuras muito mais influentes e conhecidas, como as atrizes Patrícia Pillar e Drica Moraes, tiveram a doença e pouco compartilharam suas experiências. Deram apenas algumas entrevistas, ao final do tratamento, falando sobre as dificuldades e o que mudou na percepção de mundo e no sentido do tempo. Quando Flávia Flores iniciou o projeto não havia em quem se mirar. Apenas uma garotinha de 9 anos, que vive nos Estados Unidos, lida com bom humor e não tem receios de se mostrar na rede.
“É difícil julgar porque eu também senti muita vergonha no início. Querer ajudar os outros dessa forma implica em se expor e ninguém quer colocar a carinha pra bater. Muita gente me procura por causa do espírito de superação, mas os homens normalmente não chegam porque eles não precisam de artifícios de beleza, não usam maquiagem e tudo bem se caírem os cabelos. As meninas é que se correspondem mais comigo, me mandam fotos, mas pedem pra não postar. É realmente difícil”, diz, acrescentando que pretende encontrar uma mulher que aceite os riscos de continuar o projeto.
“Quando terminar o tratamento (previsto para março de 2014), quero que outra siga aprendendo e ensinando. Diferentemente de mim, ela já terá alguma referência, vai saber como amarrar lenços na cabeça, como colar e remover cílios postiços e desenhar as sobrancelhas, mas o processo como um todo será novo. Vai ser feito em um corpo diferente. Sei que é difícil aceitar a ideia e não sei se existe uma comprovação científica, mas o carinho que recebo reflete nos meus exames. A quimioterapia nada mais é faz que baixar toda a imunidade do organismo para matar as células cancerígenas a tal ponto que pouca coisa sobrevive no corpo, mas eu tenho superado isso com alegria.”
Planos para o futuro Flávia fez. Quer trabalhar com comunicação: fazer da fan page um livro e um objeto audiovisual. “As coisas acontecem e as pessoas mudam. Não sei a razão, mas hoje faço coisas que nem me ocorriam antigamente. Eu me visto de vermelho”.

Fotos de Flávia Flores: Renan Rêgo
Foto de Marisa Orth: divulgação
*Matéria publicada na revista LivingFor. Texto e fotos contém direitos autorais.

Um comentário:

AVON Astrid disse...

Parece que estou lendo uma autobiografia. Só difere na idade. Tenho 56 anos.
Grande bj guerreira! Me espelho em você.

Astrid Patrícia Isabella Mendonça