A empresária Flávia Flores não gostava da cor até que aprendeu uma nova maneira de se olhar. Vítima de um câncer de mama, encontrou na internet uma ferramenta para lidar com as mudanças no corpo, diminuir dores da quimioterapia e compartilhar informações de moda. Encontrou, claro, seguidores e fãs.
Dez dias de lágrimas renderam um rosto deformado. A ira e a incompreensão de descobrir um câncer, isolamento. Foi o que aconteceu com a empresária Flávia Flores, 35, e certamente milhares de mulheres ao redor do mundo, que, como ela, receberam um diagnóstico de câncer da mama, o segundo tipo mais frequente no Brasil, respondendo por 22% dos casos novos a cada ano, segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA).
O que diferencia Flávia de outras, porém, é a
forma de reagir. Passado o período de negação e luto, a doença descoberta em
outubro do ano passado - relativamente rara de acontecer antes dos 35 anos – se
transformou em uma oportunidade de reaprender a utilizar artifícios de moda e
beleza.
Depois de procurar referências na internet e sem
achar nada que lhe ajudasse a cruzar o tempo de mudanças, ela criou uma fan
page num site de relacionamento para dividir o que encontrava pelo caminho em
busca de uma nova estética e feminilidade. Acabou se deparando com outras
jovens que estão na mesma situação e precisam fazer as pazes com o espelho.
“A mulher tem de ajudar uma a outra e falar:
existe um novo estilo de beleza pra gente que está atravessando essa fase. E cada
vez mais é uma fase, depois a pessoa se cura. Tem muito câncer curado. Foi
genial. Eu acho que muito ajuda muitas mulheres”, disse a atriz Marisa Orth,
amiga de Flávia, em um vídeo introdutório sobre o projeto Quimioterapia e
Beleza.
“Ao descobrir a gente entra numa espécie de
transe, depois chora até achar que não vai mais conseguir voltar ao normal,
fica agressiva. Eu dava patada em qualquer um que se aproximasse. A iniciativa
de usar a internet era primeiramente compartilhar com meus amigos e familiares
a evolução do processo, pra que eles não tivessem mais medo de chegar a mim”,
conta, explicando que não esperava tanta notoriedade.
“Além de usar minha experiência com a moda na internet, eu quis
mostrar a meus amigos e família que não precisavam mais ter medo de chegar em
mim, que eu estava conseguindo passar pelo tratamento e me divertindo com
minhas perucas.” Flávia Flores, empresária.
“A mulher tem de ajudar uma a outra e falar: existe um novo estilo de beleza pra gente que está atravessando essa fase. E cada vez mais é uma fase, depois a pessoa se cura.” Marisa Orth, atriz.
Não havia histórico de câncer de mama na família
e Flávia costumava fazer auto-exame. Mãe as 15 anos, colocou prótese de
silicone nos seios pela primeira vez aos 19, de um tamanho que pouco se fabrica
atualmente: 150 ml. “Meus seios sempre foram pequenos e por isso não foi
difícil encontrar o tumor. Eu estava no banho, me ensaboando e senti. Na hora
da cirurgia para retirada descobri que eram quatro.”
A mastectomia aconteceu nas duas mamas, por
indicação médica, e Flávia fez a recomposição imediata dos seios, com novas
próteses. Um namorado à época a acompanhou durante a cirurgia e depois sumiu,
simplesmente. “Contei logo que recebi o resultado da biopsia e ele me deu
força, disse que a primeira mulher dele também teve câncer e está curada. Mas
depois da cirurgia ele me deletou do facebook e não atendeu mais meus
telefonemas. Vai entender uma pessoa assim! Dia
desses eu fui ver e ele está noivo
de outra.”
A página de relacionamentos, no entanto,
reservava outra surpresa a jovem. Um antigo amigo comentou que ela havia ficado
muito bem com o novo visual de cabeça raspada, mesmo sem saber que era em
decorrência da doença. “No início eu recusei
as investidas dele porque não queria me machucar
novamente. Era mais fácil procurar alguém saudável, que o acompanhasse em tudo.
Nem assim ele desistiu de mim e está dando super certo”, conta.
Assim como Flávia, que ingressou no universo da moda aos 13 anos,
foi modelo e professora de manequim, trabalhou em loja e como gerente de
marketing e comercial de uma marca de roupas, o namorado também é da área. Dirige
o comercial de uma empresa do ramo e vive em São Paulo, para onde ela agora
sempre viaja, já que durante o tratamento decidiu deixar a maior metrópole do
país e voltar para a casa dos pais em Florianópolis.
“Além de usar minha experiência com a moda na internet, eu quis
mostrar a meus amigos e família que não precisavam mais ter medo de chegar em
mim, que eu estava conseguindo passar pelo tratamento e me divertindo com
minhas perucas. Terminou que acabei criando um canal pra me ajudar e ajudar
muitas mulheres.”
Alguns dos conselhos passados na página são de outras garotas,
que também tiveram suas experiências, como Simone Peluso, que passou por uma
quimioterapia do tipo azul. "Quando se faz ‘quimio’, o organismo tem sua imunidade
prejudicada. Podem aparecer doenças oportunistas e sensibilidade a cosméticos,
alimentação etc. No quesito maquiagem, tente sempre usar as que são minerais,
pois são hipoalergênicas. Os hidratantes também podem seguir a mesma linha para pele sensível. E se o cabelo cair, aproveite pra abusar da maquiagem e
criar um estilo. O lance é lutar com o que se tem!”
Moda não é futilidade
Figuras muito mais influentes e conhecidas, como as atrizes Patrícia
Pillar e Drica Moraes, tiveram a doença e pouco compartilharam suas
experiências. Deram apenas algumas entrevistas, ao final do tratamento, falando
sobre as dificuldades e o que mudou na percepção de mundo e no sentido do
tempo. Quando Flávia Flores iniciou o projeto não havia em quem se mirar.
Apenas uma garotinha de 9 anos, que vive nos Estados Unidos, lida com bom humor
e não tem receios de se mostrar na rede.
“É difícil julgar porque eu também senti muita vergonha no
início. Querer ajudar os outros dessa forma implica em se expor e ninguém quer
colocar a carinha pra bater. Muita gente me procura por causa do espírito de
superação, mas os homens normalmente não chegam porque eles não precisam de
artifícios de beleza, não usam maquiagem e tudo bem se caírem os cabelos. As
meninas é que se correspondem mais comigo, me mandam fotos, mas pedem pra não
postar. É realmente difícil”, diz, acrescentando que pretende encontrar uma
mulher que aceite os riscos de continuar o projeto.
“Quando terminar o tratamento (previsto para março de 2014),
quero que outra siga aprendendo e ensinando. Diferentemente de mim, ela já terá
alguma referência, vai saber como amarrar lenços na cabeça, como colar e
remover cílios postiços e desenhar as sobrancelhas, mas o processo como um todo
será novo. Vai ser feito em um corpo diferente. Sei que é difícil aceitar a
ideia e não sei se existe uma comprovação científica, mas o carinho que recebo
reflete nos meus exames. A quimioterapia nada mais é faz que baixar toda a
imunidade do organismo para matar as células cancerígenas a tal ponto que pouca
coisa sobrevive no corpo, mas eu tenho superado isso com alegria.”
Planos para o futuro Flávia fez. Quer trabalhar com comunicação:
fazer da fan page um livro e um objeto audiovisual. “As coisas acontecem e as
pessoas mudam. Não sei a razão, mas hoje faço coisas que nem me ocorriam
antigamente. Eu me visto de vermelho”.
Fotos de Flávia Flores: Renan Rêgo
Foto de Marisa Orth: divulgação
*Matéria publicada na revista LivingFor. Texto e fotos contém direitos autorais.
Um comentário:
Parece que estou lendo uma autobiografia. Só difere na idade. Tenho 56 anos.
Grande bj guerreira! Me espelho em você.
Astrid Patrícia Isabella Mendonça
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