sábado, 29 de junho de 2013

Passa-Loucas



Imortalizados de diferentes formas por várias gerações, da mitologia grega aos desenhos animados de Walt Disney, os seres com características humanas e animais e toda a forma de pensamento do antropomorfismo são impactantes. E os criados pela artista plástica Anasor Ed Searom foram ainda mais pra mim.
Parei para observar, perdido no tempo, a exposição Passa-Loucas, composta por 15 telas pintadas com tinta óleo e ouro. Anasor Ed Searom – pseudônimo artístico da paulistana autodidata Rosana de Moraes – pesquisou aves brasileiras em extinção e as uniu aos seus estudos de post-cards eróticos franceses, além da obra de Rembrandt.
A maioria das peças é miúda, com cerca de 10 x 15 cm, e bastante detalhada, o que torna o trabalho mais especial e primoroso. Duas delas vieram para na minha casa, claro. Além daqui, a artista tem suas obras em coleções particulares e públicas de muitos países, além de ilustrar publicações de arte e poesia.



“Nessa revoada, as Passa-Loucas, unem a preocupação com espécies raras à beleza, ao buscar uma atmosfera de encantamento por meio da pintura.”
Anasor Ed Searom, artista plástica.

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Kiko Zambianchi - sem caretice


Muitos ensaiaram e nenhum conseguiu explicar. Afinal, o que é ser normal? De todos esses exames, só uma certeza fica: “a normalidade não provém de nenhuma definição racional, mas de uma certa relação entre o indivíduo julgado e o grupo que se autoriza a julgar.” A conclusão do cientista francês Jaques Testar põe em xeque qualquer nova tentativa de elucidar fatos e pessoas, antes de olhar friamente o que são e seu julgador. Olhando Kiko Zambianchi de perto, dá pra entender suas possíveis loucuras e seus feixes de reinvindicações.



Kiko tira os tênis e saca o violão, sua arma há pelo menos três décadas. É cantando que se expressa. Aliás, orgulha-se de fazer música até hoje, apesar de ter lançado seu último álbum de inéditas mais de dez anos atrás. Parece rejeitar se apavonar pelo sucesso, como o vivido nos idos dos anos 1980, e ter satisfação em ver suas novas palavras em outras bocas. E elas são muitas. Mais de 80 artistas já gravaram suas canções, como mais recentemente Beto Lee, que, no ano passado, recebeu o Grammy Latino de melhor disco de rock com “Celebração & Sacrifício”, que tem três faixas compostas por Zambianchi.
Seria normal não querer pra si mais notoriedade e reconhecimento profissional? Sigmund Freud poderia perguntar, assim como fez com outras esquisitices antes de atestar que a intimidade do outro, que é diferente de nós, causa estranhamento. Ou perguntaria Caetano Veloso, que assumiu em “Vaca Profana” saber ser careta – ou forjar ser – e cantou uma das maiores verdades sem explicação: “de perto ninguém é normal”. Simplesmente porque não se pode ser.
Com a força da expressão de Caetano, Kiko é direto: não vê outro nome surgir na música brasileira. “Estamos vivendo de bizarrices, de música e gente bizarra, com pouca inteligência. Para o país isso é horrível. Mas o Brasil tem essa tendência de partir pra ‘bundalização’. O país sempre investe nosso dinheiro em bunda e a gente termina fazendo folclore”, dispara.
Folclore, registre-se, é como ele prefere chamar o que de forma politicamente correta seria um regionalismo, como o forró nordestino, o axé baiano ou simplesmente o som de tecnobrega da paraense Gaby Amarantos - a quem chama de Amarante, por simples desconhecimento e desinteresse.
Eu acho que esse negócio de folclore é imposto pelos americanos. Eles querem mais é que a gente fique com a banana na cabeça. Por que o chique tem de ser a Lady Gaga ou os The Rolling Stones e a gente tem de colocar a bananinha na cabeça? Não sei também o motivo de não fazerem só blues. Sei, sim. A gente gosta de dar espaço pra eles e vamos continuar assim. Afinal, Legião Urbana vendendo mais que Tina Turner nunca foi interessante pra gravadoras internacionais.

Bicho esquisito

Kiko Zambianchi não gosta apenas de rock, outro registro. Admira a música de Seu Jorge, do Criolo e outros mais. “Só não pode ser pagode”, adverte. Além disso vive outra situação que pode parecer punk: mora na mesma casa com a ex-mulher e a atual esposa. Alega que elas são amigas e propuseram e pra ele foi melhor, por isso é que aceitou a ‘economia’.
Na mesma casa, no Pacaembu, em São Paulo, cria dois cachorros e três gatos. Um deles, alaranjado, está sendo ensinado a falar seu nome. Mia em duas parte, como se pronunciasse ‘Kiko’. É motivo de orgulho e não raramente o músico comprova essa excentricidade com um vídeo, gravado do seu tablet.
A câmera fotográfica também sempre é carregada. Depois da entrevista, Zambianchi mostra alguns estudos ao mesmo tempo que se desmancha ao falar das filhas Ana Júlia e Giovana, frutos da relação com Ana Claudia. Enquanto uma toca e canta composições próprias, a outra, cineasta, registra em vídeo.
De espaço barulhento, aliás, ele parece ter cansado na época áurea do rock brasileiro. Kiko, que já teve em casa ares ainda mais introspectivos, como quando dividiu apartamento, em Perdizes, com o escritor Marcelo Rubens Paiva, hoje prefere se apresentar em teatros a casas mais underground. “Não me considero nem quero ser elite, mas diante das coisas horrorosas do nosso mercado eu acabei virando um pouco. Termina que agora eu gosto mais de teatro porque o pessoal vai pra ver o show, não é pra paquerar, nem pra beber. E se fizer barulho, outros abrem a boca e pedem silêncio.”


“Eu acho que esse negócio de folclore é imposto pelos americanos. Eles querem mais é que a gente fique com a banana na cabeça.”

Há outra prova de que não precisa ser rock para agradar. Em meados dos anos 2000 Kiko trabalhou com hip-hop e estava de malas prontas para morar definitivamente em Nova York. A nova carreira musical estava dando certo – até uma versão de “Deu a Loka” foi transformada em inglês, ganhou o título de “Right Away” e terminou gravada pelo rapper norte-americano Lil Scrappy, produzido por 50 Cent. O plano, porém, acabou frustrado depois de quatro anos de parceria com o produtor David Aaron Shayman, conhecido como Disco D, que morreu precocemente com então 27 anos.
“A gente se conheceu em São Paulo e logo começou a trabalhar junto. Ele era um editor e na época pagava caro pra recortar as músicas dos outros, pra fazer sampler. Aí eu comecei a fazer as levadas e o lance foi dando certo. Mas o cara era bipolar. Deixou de tomar remédio, achou que estava bem e acabou se matando.”
Era David quem abria as portas dos trabalhos nos Estados Unidos. Zambianchi nem pensou em continuar o projeto. “Acho que aprendi um pouco dessa parada, mas não vou continuar fazer isso fora, nem aqui. Acho que o pessoal não iria entender, sou branquinho demais”, brinca.


O som bilíngue – que ganha mais espaço na cena musical contemporânea – também está fora de questão. “Isso é falta de referência. Os tempos são muito diferentes de décadas atrás. Quando alguém ia montar uma banda, podia olhar pros lados. Atualmente quem quer fazer um trabalho mais elitizado precisa olhar pra fora. Por aqui aparece um cara cantando “Para nossa alegria” e acaba tomando o espaço de um artista que tem um disco bom.
Apesar disso, não apenas pedras rolaram nesse caminho. Algumas coisas progrediram. Mesmo o momento sendo de intensa fiscalização para combater a insegurança dentro das casas noturnas do país, por causa do trágico incêndio na boate Kiss, de Santa Maria (RS), a estrutura dos espaços para shows se desenvolveu. “Do jeito que as cidades cresceram, estão mais maquiadas e bem tratadas, as boates melhoraram. Infelizmente ainda cuidam mais da estética do que do som. O carpete é mais importante, mas temos espaços bons, confortáveis e seguros.”
A partir do próximo ano talvez em alguns deles esteja tocando um som novo. Kiko Zambianchi tem um projeto: compor e convidar bandas e intérpretes a emprestarem suas vozes. Voltando aos julgamentos, pense em como seria um time com Luiza Possi, Dinho Ouro Preto, Seu Jorge, Pitty e o grupo Cachorro Grande. Agora é esperar pra ver.

Fotos: Ramón Vasconcelos
*Matéria publicada na revista LivingFor

Descontração e mix de estampas


A MSGM, marca italiana fundada por Massimo Giorgetti em 2008, acaba de estrear na Pitti Immagine Uomo, evento que para Itália está como a nossa Casa de Criadores, de São Paulo. E a primeira impressão, depois de tempos vendendo na internet, é de sucesso entre os jovens.


A marca propõe as mesmas influências para homens e mulheres, inclusive alguns acessórios são unissex. O estilo é surf, com cores ácidas nas calças, tie-dye, floral e listras em um jumper mais grunge, além de casacos e parcas, seguindo o militarismo ainda em voga para 2014.


A silhueta está um pouco diferente e as mangas mais amplas. Mas o mais interessante é que o moletom é combinado com outros materiais para criar patchworks originais em cores e estampas.


Por aqui temos algumas marcas que também fazem boas misturas e transitam entre o masculino e o feminino. E, claro, estão apostando em florais, mesmo que em uma versão maxi, antes de apresentarem a coleção de verão. A Redley (esquerda) e Osken (direita) são dois bons exemplos. 



quinta-feira, 27 de junho de 2013

Lenine: íntimo e orgânico


Com cinco prêmios Grammy Latino na mala, Lenine já embarcou pra longe. E entre Pernambuco e Paris acumulou referências. Colocou muitas delas em Chão, expondo-se, sem medos, pela primeira vez em quase três décadas. 


Lenine aparece falando em francês ao subir no palco para passar o som como se não houvera abandonado o tempo em que gravou um concerto na Cité de La Musique, em Paris. Mas, para os desatentos, a quadra agora é outra. Uma época de muito mais intimidade, por assim dizer. É momento de Chão, de expor foto de família na capa do disco, de gravar em casa, experimentar dividir os palcos com o filho Bruno Giorgi. De se reinventar, enfim.
O pernambucano está beirando ou 30 anos de carreira e de idade tem 52. Já arrebatou cinco prêmios Grammy Latino e com essa bagagem lança o décimo disco, que recomenda ser ouvido como uma talagada só, ignorando a fragmentação dos álbuns na internet. Ele que não se curva ao que é imposto pela rede, sobretudo quando se trata de downloads gratuitos.
“O problema é que o universo é tão novo e tão amplo que a gente não sabe para onde vai. A ferramenta é tão amorfa e cheia de possibilidades que a gente não sabe como usar ainda. Agora uma constatação eu posso te dar: não me peça de graça a única coisa que eu tenho pra vender.”
Lenine vive de arte, vende cultura, música da melhor qualidade. Faz questão de deixar as regras claras, não faz questão de discos convencionais. Chão tem módicos 28 minutos e músicas conectadas por sons ambientes. São ruídos dos mais variados, todos capturados de forma natural e sem edição. É por tudo isso que o cantor define o trabalho como “íntimo e orgânico”.

Intimidade

Lenine revela que sempre só foi até a página oito por opção. Depois da página oito eu não abria pra ninguém. Trabalho e vida pessoal sempre estiveram em degraus diferentes até a chegada de Chão.
“Quando eu resolvi fazer o disco e constatei que se chamaria Chão, aquela foto não foi tirada, aquilo é do meu álbum de família. Eu estava realmente dormindo, com meu neto no colo e a minha mulher, portanto a avó dele, chegou de noite, sem nos acordar e clique, com só uma luz em infravermelho. Então eu achei honesto com o projeto todo, com essa intimidade toda, com essa organicidade eletrônica, que é quase paradoxal, porque o disco é extremamente eletrônico, mas extremamente orgânico também. Foi por isso tudo que eu me expus dessa maneira. Mas eu tenho a sensação de que o Chão é o disco e o trabalho em que eu estou mais nu.”


“Eu sou um homem de sorte porque fui criado por duas pessoas extremamente visionárias  e generosas. Dona Deise e Seu Geraldo. Me deram prumo, uma capacidade de julgamento e me deram mais do que tudo, exemplo de generosidade."

Ruídos

O primeiro som a vazar foi o do canário belga da avó de Bruno, seu filho, que vive em uma casa na Urca, onde há um estúdio de gravação. A gravação em que Frederico aparece é a faixa “Amor é pra quem ama”. “É também um disco mais romântico, porque o amor está permeando toda a minha vida. E chão sendo o que me sustenta, o que me mantém é o amor. Por mais piegas que isso possa parecer, não há caminho a trilhar sem amor.”   
As descobertas entretiveram o artista, como se pode ver a seguir. “Foi muito divertido gravar a chaleira, procurar o tom da chaleira, abrindo e fechando o gás. Foi muito divertido dar passos em volta do meu orquidário e construir depois a música por cima dos passos e não o inverso. Foi muito divertido gravar o coração do meu filho. E a gente teve de colocar uma flanela. Teve todo esse processo que é muito íntimo, mas que eu acho que está evidente no disco todo, pelo silêncio e pela pausa que permeiam o processo todo.”
Tudo começou quando Lenine, sentindo-se numa posição muito cômoda, começou a suspeitar de tudo. “Eu sempre sou levado a ir mais alem. Eu acho que é de índole, de curiosidade, porque cada vez que eu estou numa posição muito cômoda, eu começo a desconfiar de tudo.” Essa desconfiança o fez pensar em um trabalho diferente dos demais. Não teria bateria ou percussão, o que lhe permitiu descobrir tantos novos relevos sonoros.
Na hora de transpor para o palco, rapidamente descobriu que teria de adaptar ao surround -o tipo de equipamento encontrado no cinema, em que os sons vem de todas as direções. Então, Chão ganhou essa tridimensionalidade. “Está sendo uma experiência maravilhosa não só pra mim, mas pra toda a equipe”, conclui. 

Fotos: Ramón Vasconcelos
*Matéria publicada na revista LivingFor. Texto e fotos contém direitos autorais.