Acordo novamente às seis horas da manhã e chego rapidamente à conclusão de que estou velho. A mesma cena se repete há mais de um mês. É como se eu tivesse a idade do meu pai e a falta de disposição de sair para tomar uma cerveja com meus amigos num dia qualquer, ou mesmo em um final de semana.
Lucimar já está acordada e me prepara um café. Hoje prefiro com leite e o bebo de frente para o computador. É como uma necessidade de auto-afirmação. De um ser que é diferente do seu genitor, que ainda lê o jornal sentado no sofá. Mudando apenas o canal parece que me vêm um ar de modernidade.
Mas nessa manhã, as notícias não chegaram até a máquina que agora uso para escrever esse registro. Nenhuma informação importante de fora do meu mundo de alguns metros quadrados onde me protejo dos temporais e quaisquer outros fenômenos climáticos. Assim espero.
A assinatura do serviço de internet está paga. O provedor idem. Tudo nos conformes não fosse o teclado do computador que amanheceu, para meu desconforto, com funções estranhas. Números ao invés de letras, o que me impedia de digitar corretamente a direção do sitio a localizar no espaço virtual.
Ligo para o Marcelo – um amigo que não sei como, consegue acompanhar as novidades tecnológicas com sede. Ligo imediatamente sempre que acontece algum desentendimento entre mim e o meu portátil. Em outra circunstância tal gesto poderia ser interpretado como tráfico de influências, já que, não conseguindo manter um bom diálogo, por vezes o trato como se ele tivesse de funcionar como um funcionário público. Mesmo sabendo que ele faz corpo mole e, pra me provocar, trava. Eu exijo sempre mais.
Ainda há o agravante desse benefício não servir apenas a mim, mas também ao meu subordinado, o que poderia, num julgamento nos aumentar a pena de reclusão - distanciamento vá lá! – da metade. Mas, enfim, desse modo convivemos.
Pacientemente meu amigo-técnico-conselheiro pediu para que eu reinicializasse – começamos sempre com o óbvio. Não deu certo, lhe disse, completando que se fosse tão simples eu mesmo teria resolvido.
Então vá até o painel de controle, depois escolha opções regionais e de idioma. Vai abrir outra janela. Está vendo a aba idiomas?
Sim.
Escolha ela, clique em detalhes e me diga o que aparece em idioma de entrada padrão.
Inglês – Estados Unidos (internacional).
Seu note book tem a tecla ç?
Não.
Então vamos reconfigurar, disse num tom de diagnóstico.
Mais alguns procedimentos e adicionamos e excluímos alguns serviços de texto e de teclado. Entrou Brasil (ABNT) e mais uma vez Estados Unidos (internacional). Depois de aplicar, por recomendação, reiniciei outra vez.
Não deu certo. E agora? Tem alguma outra opção?
Vamos ver se você fez tudo certo. Seu computador é um Vaio?
É, respondi.
Vou pegar então o meu, que é da mesma marca e deve estar configurado corretamente.
Fizemos mais umas quatro tentativas dentro do tempo de aproximadamente uma hora. Exausto, tendo ingerido mais duas xícaras com cafeína e quase em estado depreciativo, reclamei. Olha, ontem desliguei esse computador normalmente e parece que ele tem vida própria, amanhece o dia com enxaqueca. É temperamental demais pra mim. Já tentei digitar várias palavras e percebi que o problema atinge principalmente as vogais, que viraram números, comentei displicentemente.
Que vogais?
Deixe-me ver. Bom, o a é a mesmo. O e é e. O i agora é o cinco. O o, seis e o u, quatro.
No seu teclado tem uns números bem pequenos no canto direito de cada uma dessas teclas que você acabou de me dizer?
Pode parecer um contra-senso, mas eles estavam gravados em um amarelo discreto que ficava praticamente camuflado com o cinza do teclado. Sem meus óculos – que foram furtados juntamente com minha bolsa, outro dia enquanto trabalhava – quase encostei o nariz para conseguir ver os tais números. Tem sim, Marcelo, falei.
Então provavelmente você vai encontrar uma luz verde acesa perto de um número um, que fica dentro de um desenho que parece uma bolsa, no canto esquerdo, perto da saída de som. Olhei rapidamente e vi.
Gosto de precisão.
Agora procure na parte de cima uma tecla com as iniciais Num Lk. Você só precisa apertar lá.
Pela vigésima vez, procedi como me orientou.
A luz verde apagou?
Depois de um período de vacância, demorei uns cinco segundo para conseguir pronunciar, entre gaguejos, a extensa palavra de uma única sílaba: sim.
Agora veja se tudo funciona, disse do outro lado da linha.
Precisei de mais tempo para ver que funcionava, acreditar que funcionava, me perguntar se aquela uma hora perdida me faria falta, como deveria reagir para que não parecesse irracional, abstrair minha perplexidade. Repeti: sim.
Ouvi uma gargalhada e tive vontade de cortar os pulsos em asterisco. Ele se divertiu com a situação. Desligamos e decidi não mexer mais naquilo por 24 horas. Teria de me dar um espaço. Tipo recuperação. Saí arfando.
Preciso encontrar uma forma de criar alguma aproximação com esse universo tecnológico ou vou acabar, na verdade, como o meu avô, que pra mim é um grande exemplo de raciocínio lógico jogando buraco. Mas que não tem interesse, e, por conseguinte, nem iniciativa de tentar ampliar seu leque de relacionamentos.
Eu e meu computador já nos desentendemos outras vezes. Sempre quando eu mais preciso dele. Nessas ocasiões travamos verdadeiras disputas. Fazendo uma parcial, estou como o América na segunda divisão. Perdendo sempre e com receio de ser rebaixado outra vez.
domingo, 18 de maio de 2008
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5 comentários:
vc sempre surpreendendo!
li e pude ver vc em todas as situações descritas!
se não estou enganada, seu pai torce para o ABC... será que é mais um desses conflitos de geração. já add você, meu murumuru preferido
cris hoje resolvi que posso ser uma super internauta, vi o comentario de cristian e peguei o seu blog para acredite colar nele e saber que vc adora comer inhame todos os dias. bj te amo.nize
cuidado Cris. Sabe-se que o presente é da informática e que o futuro são os nano-robótica, cuide-se prara está sempre atualizado. Abração, fica com Deus!
cris como voce tem facilidade de escrever em um pequeno texto todo o sentimento que temos por gigi. voce é mil. beijos. nize
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