segunda-feira, 26 de maio de 2008

É dando que se recebe

Ela só foi notada quando sua mãe voltava de uma viagem que fez a Fortaleza e o carro em que vinha capotou umas boas vezes. Exames médicos que deveriam dizer apenas se nada havia sido quebrado, encontraram Gigi, protegida pelo airbag da mãe, então com apenas dois meses de gestação.
Condenações. Mas ela nem é casada! Vai perder toda a juventude! Inquietações. Quem vai sustentar essa criança? Será que o pai vai assumir? Como vai reagir seu irmão ciumento? Tantas perguntas que nem poderiam ser respondidas dentro dos poucos meses até ela nascer. A mim a notícia também pegou de surpresa. Era a prima da minha idade com quem eu mais tinha aproximação, que fazia dupla comigo nos concursos de dança inventados na garagem de casa aos doze.
O semestre passou muito rápido e logo Giovanna chegou com a pele morena de uma legítima cabocla, tão informal quanto à denominação do seu cabelo: sarará. Era um verão e meus pais viraram seus padrinhos. Mais um laço e motivo para ela estar sempre no meio de nós.
Seu crescimento é acompanhado por mim apenas nos finais de semana. Sábados ou domingos que sempre me surpreendem. Quando está na companhia da avó seus cachos são domados. Quando a mãe não tem ajuda, a arapuca torna-se indomável. Uma juba que lhe é peculiar. Traça um pouco de sua personalidade. Quiçá por causa dela seja o centro das atenções. Dócil com os seus e arisca com visitas alheias.
Fui um desses intrusos por quase um ano. Tempo em que me dedicara a levantá-la até a altura da minha cabeça, colocando-a com o tronco para baixo e dizendo: faça agora a posição da bailarina. Querendo que ela, antes de gritar, pusesse as pernas para o alto, e porque não, fizesse uma ponta.
Via em seu olhar. Gigi me fuzilava sempre que eu me atrevia a repetir. Ia parar entre as pernas de alguém mais velho que pudesse lhe dar cobertura. Mas ela era tão graciosa e espontânea durante aqueles poucos segundos em que ficava no ar, que terminou seduzindo meus familiares. Todos se divertiam à custa da pequena.
Não tardou a ensaiar poucas palavras. Mas entre os convencionais: papai, mamãe e até vovó, tinha também “tiano” – eu, no caso – e “balarina”. A safada gostava e já fazia doce. E eu a tomava como se fosse preciso usar a força.
Em poucos meses “Xixi” – apelido carinhoso, acredite - ficou mais durinha e seu corpo perdeu um pouco da graça naquele movimento. Ela não só controlava bem as pernas para o alto, como conseguia erguer adestradamente todo o corpo e corria. Evolução acelerada pelo mundo dos adultos.
Ela encontra muito mais os tios que seus filhos ou quaisquer crianças da sua idade. Por isso, de quando em vez sai com uma frase de efeito. Sabe diagnosticar quando tentam lhe enganar e é infinitamente mais esperta do que eu para conseguir doces. No último feriado aconteceu um almoço festivo para celebrar o natalício de sua avó. Fomos todos.
Minha irmã, que acredito ansiar por ter filhos também, bajula a menina o tempo inteiro. A ponto de levar pirulitos na tentativa de arrancar um sorriso. Um me foi ofertado por Gigi. Era envolto por um papel branco e verde claro. Recebi, mas era apenas um. E não pude deixar de pôr a prova seu desprendimento.
Pedi primeiro o segundo. Ganhei outro verde e branco. Depois, queria um amarelo. E ganhei o amarelo. Pedi então o roxo e ela começou a olhar para os lados. Estava no meio de uma roda formada por mesas, cadeiras e muita gente. Enquanto dava um trago da minha bebida, estendeu o roxo em minha direção. Recebi com as mãos e os olhos bem abertos. A essa altura eu tinha três unidades, e ela também.
Pedi o quarto doce. Ela me veio com outro amarelo. Sabia que não iria muito longe e pedi o cor-de-rosa. A psicologia infantil deve explicar o motivo pelo qual as meninas têm essa preferência. A mim, bastava saber que aquele pedido iria ultrapassar a barreira da sua boa vontade. Ela olhou outra vez para os lados. O rosa eu vou chupar, disse tentando defender seu preferido. Insisti. Ganhei apoios. Todos queriam ver até onde ela iria.
Passaram-se uns trinta segundos e ela me deu. Em retribuição, lhe regalei todos os meus. Para segurá-los, ela usava as duas mãos numa reza. E seguiu em direção a minha irmã, que piscava o olho dando a dica. Era como dizer que me entregasse que ela teria ganharia muito mais. E foi assim que sua bolsa se abriu, mostrando um saco repleto de baganas. Já era depois do almoço e todas as guloseimas estavam permitidas.

7 comentários:

glaucia reboucas disse...

já quero ver a gigi!
beijo, coração!

glaucia

Mme. S. disse...

pois é, meu amigo, você com sua Xixi, eu com minha "Babinha", e assim caminhamos sendo seres melhores. ao menos quando estamos diante das infinitas possibilidades da infância. um beijo, S. (agora vc já sabe como foi meu feriado).

David Daniel Macêdo disse...

Cristiano. Gostei muito o seu texto. Sou amigo virtual de Glaucia lá de Natal. Ela que me indicou vir aqui e ler seus textos. Parabéns! E quem sabe não nos encontramos pelos cantos do Rio... Um abraço!

Alyryo Freire disse...

Opa, opa...

E veja(m) que ainda existem figuras que não gostam das gigi´s da vida.

Boa semana,

Anônimo disse...

Olá Cristiano, gostei tanto que voltei ao teu espaço. Engraçado como nós todos temos aquela criança que mesmo sem atinarmos com o porquê nos dão uma preferência que chega a nos desnortear em alguns momentos. No meu caso é a Heló (minha pretinha), sobrinha que me preferiu ainda hje não sei o motivo, mas que me deixa toda boba. Continuo encantada com a tua escrita, tens um dom incrível com as palavras, fazes com que elas nos aproximem da situação narrada como se a estivéssemos vivenciando.
Ah, se quiseres me visitar o endereço é: www.receptaculum.zip.net. O convite está feito, será uma alegria recebê-lo. Abraço grande !

Anônimo disse...

oi cris

voce e d+

beijos nize

Unknown disse...

Ameeei Cris! A Nega é realmente muito especial. obrigado pelo carinho. beijão