segunda-feira, 19 de maio de 2008

Como um patriarca

Invertemos os papéis. Não que meus pais hoje sejam meus filhos. Nem que eu tenha de me preocupar com o plano de saúde deles. Mas, há pouco mais de um mês minhas atenções se voltaram para a vida dos que moram distante duas ruas do meu apartamento.
Naquela casa onde passei minha infância, minha adolescência e onde, mesmo havendo harmonia familiar, percebi o quão é difícil aprender a viver em sociedade, hoje sobra muito espaço. E nem é apenas físico.
Há uns quatro anos, quando deixei de dormir e debaixo daquele teto, resistiam ali mais dois irmãos – que inclusive se parecem bem mais que qualquer deles a mim. Naquela época, minha rotina é que havia sido mais afetada. Tive de aprender a conviver com o silêncio, momentos em que me deparei sozinho com minha consciência e passei a me analisar e até condenar. Penas leves, claro. Eu aprendo fácil.
No meu espaço aprendi também a aproveitar bem cada ambiente. Como reflexo, até hoje não consigo conjecturar a possibilidade de voltar a ter uma televisão no quarto. Acho que é uma violência tão grande quanto ter um microondas em cima do criado mudo. Enfim, é pra isso que existem as cozinhas, salas etc.
Meus pais e meus irmãos mantiveram a mesma logística. De quando em vez tomavam café da manhã em horários distintos. Meu irmão mais novo esporadicamente sentava ao redor da mesa na hora do almoço. Comia o que ninguém tinha no prato. Cada um regulava seu jantar, graças às aulas, saídas noturnas e sem-vergonhices.
Botando banca, com ares de independência saindo pelas ventas, sempre acreditei que só poderia ir lá quando fosse convidado. Aquela não era mais minha casa, apesar de ter as chaves das portas no meu mói até hoje. Passei a comer em restaurantes rápidos e ganhei de quebra uns bons seis quilos. É aquela história, muita variedade, olho gordo.
Minhas visitas aconteciam mais na hora do almoço. Sempre foi conveniente, afinal é bom sentir o tempero da mama e, de quebra, ver todos de uma vez. Importante também participar das discussões que acontecem nesse momento. De um se meter na vida do outro por simples bem querer ou por hábito, por liberdade.
No veraneio também não tenho tipo muito como privar da companhia dos meus. Trabalhos e outras atividades inviabilizam a corrida para o litoral. De modo que passado o carnaval, fui a um desses almoços festivos. Minha irmã de casamento marcado. E dali a pouco, um mês depois, seu nome já tinha aumentado.
Minha mãe passou a me ligar mais. Como apenas dois quarteirões nos separam, aparecer por lá está mais fácil. Mas meu pai tem prolongado os papos ao telefone também. E quando me vê puxa uns assuntos estranhos, incomuns nesses mais de 20 anos.
No último final de semana eles ligaram pra me avisar que fariam uma viagem. Saíram quando tudo estava escuro, na quarta e a volta estava programada para o domingo. Era o casamento de uns amigos em São Luís.
Na sexta recebi outra ligação. Meu pai estava preocupado com o cachorro de 14 anos, caçula da família. Ele ficara só com meu irmão que mal cuida de si. Não devia ter água, tampouco comida. E a casa, com montes de caca e manchas de mijo.
Deixei um par de compromissos de lado para averiguar a situação, completamente outra, diga-se. O bicho não havia tocado na ração, nem bebido. Sem condições de qualquer excreção, óbvio. Trouxe-o para almoçar comigo, ele do lado da mesa, pulando no nosso colo, como sempre foi.
No meio da refeição, o telefone tocou outra vez. Meu irmão deu falta do Jheepy. Ligou para o meu pai num impulso - se tivesse parado pra pensar jamais faria isso por receio de perder o saco, enfim – e por isso o meu celular estava aos berros. Fiquei um pouco incomodado com tanta preocupação. Trouxe-o comigo, disse, completando que estava de saída para o trabalho e o deixaria de volta. Assim foi.
Tive uns minutos de responsabilidade sobre o estado emocional dos meus pais. Quando o ponteiro do relógio alcançou às seis horas da manhã do domingo estava eu passeando com o cachorro pela praça. Tive um pouco de dor de cabeça. Acho que de tanto gritar, já que pela idade ele está com a visão, o olfato e a audição prejudicados. Mas acompanhei com toda a paciência. Assim, cuidei do meu pai, que deve ter ficado mais sossegado e de minha mãe, que, sem ouvir queixas, provavelmente curtiu mais os dias fora.
Restabelecida a rotina, não me sai da cabeça a idéia de que eles estão tendo dificuldades em exercitar o desapego. Filhos os criam para o mundo. Mesmo sabendo que olhares analisam a mesma situação de formas diferentes, com mais ou menos experiência. Quiçá netos amenizassem esse problema. Pode estar por vir mais uma cobrança.

2 comentários:

Waleska Maux disse...

adorei seu blog, querido!
vai la no meu depois!
bjaooo

Mme. S. disse...

adorei esse post. vi você e todos os outros da mesma maneira genuína com que você os tem e os sente. legal! S.