sábado, 31 de maio de 2008

Ressalvas

Desejos em mim parecem ter vida longa, mesmo que nunca tenha desejado que seja assim. Uma profusão de desejos me amedronta. Por isso que às vezes preciso prostituir as palavras para expressar minhas infâmias.
É mais um dia em que a chuva invade a sacada do meu apartamento. Vejo incólume. A chuva alaga o chão, mancha os vidros e molha as plantas. Tem suas compensações. E, afinal, sempre quis ter uma sacada.
O cansaço do sol incomoda especialmente hoje. Se estivesse mais disposto poderia vencer esse mal tempo. Ao deitar, desejei que o amanhecer fosse claro e com forma de maresia. Receberia em sinal de glória tudo pronto. E com setas apontando o caminho.
Desafortunadamente o tempo é um Zenão. As águas têm mais força. Vencem até mesmo a aspereza das pedras. Só não derrotam o meu desejo. Quero hoje acreditar mais no poeta e em suas profusões. Que os dias são iguais e distintamente belos. Cada um é como é.
Meus desejos têm abundância na alma. E de alma eu só conheço a minha. Quando miro, deixo meus desejos serem percebidos. São sinais com os olhos e com a boca, num ato de mostrar os dentes, antes de morder a língua. Meus desejos são de um homem comum. Sem as pretensões da poesia. Vulgares.
Meus desejos alimentam outros guardados. Também da alma, mas que não revelo. Ressabiado. Tenho motivos. Quanto mais o tempo fecha fica difícil ver a paisagem ao longe. De perto, não sou bom observador. E ademais, sei que há gente que não é honesta com seus desejos, que sorri com falsidade.

2 comentários:

Mme. S. disse...

Meu desejo é que seu desejo continue se diluindo em letras...

Anônimo disse...

Acho que me enquadro nesse último trecho, às vezes...mas qem nunca fez isso né? Belo texto, como sempre.
Abraço.