quinta-feira, 11 de junho de 2009

Separação de estréia

Meus pais têm uma diferença de onze anos. Estão juntos há três décadas. Tempo desses numa novela tinha um casal sendo alvo. As idades ainda mais distantes. As pessoas falavam. Das telas logo passou para o jornal e, por osmose, para as ruas. Virou a polêmica. Pra mim, algo demasiadamente natural.

Durante três dias passava pela porta de escola sem entrar. Só de uma que tive de ir até a portaria e voltar. Do outro lado da rua era que meu pai parava o carro. Não tinha sentido dar a volta e depois precisar contornar pra pegar o rumo do escritório. Naquela manhã o semáforo não abriu logo que atravessei as duas vias. Foi obrigado a usar a tática do fingir.

Minha irmã chegava junto, mas era mais fácil de despistar. Bastava parar num carrinho de balas que ocupava parte do asfalto e atrapalhava a entrada de veículos e comprar dez xibius. Cada uma custava dez centavos, valendo toda a aquisição, portanto, um real.

A cena era necessária porque cumpria suspensão. Penalidade aplicada a um desordeiro que não teve a oportunidade de explicar que a manga que levava na mão na hora do intervalo não tinha sido derrubada do pé, senão apanhada do chão. Com Padre Prata valia o ditado “contra fato não existe argumento”. Fui visto carregando a fruta. Ponto. Tinha feito sem autorização. Ponto.

Devia ser o escape dele, que não podia ocupar suas lacunas de outra forma. A culpa era dos votos, mas ele punha em quem queria. As mangueiras despertavam um tipo de ciúme especial. Eram quatro. Frondosas e de sombras largas. Bancos faziam ciranda e viviam cheios de adolescentes e meninos ainda mais jovens, sem poder namorar.

No ensino religioso a pragmática é essa. Dois sexos não se encontram nas classes de educação física nem a qualquer outra hora em lugar algum. Por isso que bem cedo se aprende a ser clandestino. Lembro de uma garota que ficou falada pelos corredores porque transou com o namorado na escada de um hotel fora da cidade, onde acontecia uma competição desportiva. E de outra que engravidou e foi expulsa.

Eu tinha menos de quinze. Achava umas meninas interessantes. Namorei três no intervalo de meia dúzia de anos. Essa não era a média. Alguns companheiros de sala nem tiveram a chance. Dedilhavam em pensamento. Durante a maior parte do tempo ficávamos contemplativos. Aquilo não era desejo sexual nem sequer por descoberta. As regras num lugar como aquele serviam para ser quebradas. E ficar, além de um desafio, era um termo novo.

De maneira renitente questionava o que se passava com elas. Não demonstravam qualquer inquietação com a montanha de imposições. Falando em regras, quase todas já tinham passado pela primeira vez. Algumas lá mesmo. A gente sabia quando acontecia no banheiro da escola. A amiga mais velha era acionada e levava o absorvente. Praxe. E a informação sempre vazava.

A natureza feminina faz apontar seios mais cedo. O estirão dos garotos acontece cerca de dois anos depois. Comprovado cientificamente. E esse espaço gera um abismo quando se é jovem. O melhor era espiar as meninas fartas, de 17, que achavam graça. Só agora, perto dos 30, percebo com quem gostam de deitar e que, de fato, são muito mais discretas.

7 comentários:

Unknown disse...

Muita metáfora neste texto...infância descrita num relato contemplativo...Os anos se passaram, só que a essência bruta ainda revela as suas marcas. Eis que Freud ou Lacan ajudariam a decifrar o inconsciente ocluído...mas, será que ele seria preciso???

Unknown disse...

Muita metáfora neste texto...infância descrita num relato contemplativo...Os anos se passaram, só que a essência bruta ainda revela as suas marcas. Eis que Freud ou Lacan ajudariam a decifrar o inconsciente ocluído...mas, será que ele seria preciso???

Unknown disse...

Eita! Viagem ao meu antigo Salesiano! Parece que revivi as reprimendas, tensões e olhadelas de minha época!
Somos resultados da nossa capacidade de clandestinidade!

Abração

Carol Mendes disse...

Uma narrativa com elementos descritivos! rs.


Gostei da forma como escreve, da liberdade que tem com as palavras, de sua subjetividade.

Um beijinho...

@JayWaider disse...

Interessante relato. Lembranças significativas.

Luis Fabiano Teixeira disse...

Oi Crico... Nossa, as balinhas xibius, as nossas madeleines rs. Quadradinhas, papel em vermelho e branco... rs. Olha, obrigado pela visita. Sucesso pra vc também. Te espero aqui pra minha expo, vai ser uma honra. Tá faltando uma obra minha em sua casa, sim rs. Tenho coisas tão legais, você vai gostar. Abração!

Anônimo disse...

uMA vida smepre he uma bela historia ase contar somo livros ambulantes rsrseh cada dia que passamos poderia tornar belas poesias.. pelas palavras tristes ou emocionatens!

gosteii muito!!