Deveria ter seguido a carreira artística. De quando em vez tenho uma inclinação curiosa de estar na pele de outra pessoa. De sentir o que eu não consigo quase sempre sendo o mesmo menino franzino da minha infância. E nos últimos tempos mais especialmente de poder saber como é viver uma terceira pessoa, uma afronta.
Nunca fui outro em qualquer relação. Bate um desconforto crer que poderia enlouquecer como já vi se passar. Dizem os mais cultos que as máximas empobrecem os textos. Mas algumas de tão certeiras não podem ser substituídas facilmente. Dois é bom, três é demais. Esse é um dos melhores ditos. Difícil é controlar os impulsos.
Dentro de mim há duas forças. E não falo aqui literariamente de uma metade lisa e outra crespa. Ou de conceitos baseados na filosofia e na metafísica da cultua chinesa como yin e yang. É uma proposta muito mais visceral. De ser carne e sentimento em um só corpo, ou de uma maneira mais poética, como já disse Caetano, a dor e a delícia.
É impossível prever quando se será o causador da discórdia. Por isso acho que todas as pessoas entram despreparadas, sem ter tido a oportunidade de passar por algumas sessões de análise pra saber até que ponto ir e como se comportar diante do novo.
De fora, a pior situação sempre parece a de quem passa a ser menos solicitado e que comumente fica se sugestionando o que teria feito de errado, o que já é um grande equívoco. Como defende Lacan, o nosso desejo encontra sentido no desejo do outro. Faz parte da teoria dos espelhos. Nos final da contas somos todos narcísicos, buscando nos reconhecer nos olhos de alguém.
Uma amiga arregala os olhos de tal forma que parece que eles vão pular da caixa. É assim a cada tilintar de taças ou tulipas. Calculando os movimentos friamente parece que se está participando de uma película de terror. Só se torna mais sutil porque o gesto recorrente acontece entre amigos e tem querer no meio. Sempre brindo e a perdôo.
Nos trajetos da minha memória nunca valeu desviar o olhar. Por outras paragens há reflexos. Nos lagos. No mar. E encontrar-se parece fácil. O sonho oceânico da poesia de Zila Mamede arrasta. Mas não acredito por qualquer regra intrínseca nas leis da nação. É que realmente parece que esse é o ponto crítico e que delimita o adoecer da relação.
Eu tenho a sorte de já ter conhecido o amor e vivo de paixões encontradas no meio de alguns terrenos. Neles existe muito campo pra seguir apressadamente e árvores, mas no meio da correria, invariavelmente, esses espaços viram descampados. Acontece de uma forma muito rápida. Basta uma noite sem adormecer sentido o cheiro guardado na nuca.
Paixões são covardes feito a maioria de nós. E tentadoras como muitas situações. Basta viver pra se complicar. Digo isso vendo minhas prateleiras internas de sentimentos escalonados. Guardados de quem insiste em seguir vivendo, vivendo e não aprendendo. E que tem a calma apertada dos que acreditam que, mesmo já tendo a experiência e não querendo repetir, pode acontecer outra vez.
Mas já é tarde. Apesar de meu relógio biológico ter perdido a noção, um na parede lembra que passa das duas da madrugada. É hora de deslanchar uma plêiade de teorias e lembrar que no descanso noturno dá pra se fugir da dor da dissolução. O cansaço agora é o maior algoz. Vou dormir.
sexta-feira, 30 de janeiro de 2009
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3 comentários:
Cristiano,passando como faz sempre os insones e te conhecendoLi ontem,mas respondo hoje).Lendo e gostando muito.Partilhar ...é bom,conhecer,saber de outras almas em busca de ...respsostas? ou apenas uma aventura de descobertas;nao sei...Sei que seu texto me prendeu.Vou continuar a leituras dos outros.Bom dia.
Olá Cristiano, uma amiga me indicou seu blog e confesso que gostei bastante. Textos leves e espontâneos. Parabéns. Grande abraço
LUCENA FILHO, H. L. de.
www.lucenafilho.blogspot.com
suas inclinações para a arte, meu amigo, já lhe obrigam escoras de madeira e sonho... voilá! mesmo que para isso seja inevitável chorar.
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