terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Um rapaz da moda

Dava pra ver pela arrumação do loft que não havia preocupação em dispor de objetos. Aquele era um refúgio de relações afetivas amistosas. Encontros fugazes e tórridos que quase sempre não tinham seqüência. Tão espaçados quanto a manutenção do gás da geladeira que sempre abrigava refeições ligeiras com o prazo de validade expirado.
As paredes eram quase sem cor. Precisavam de uma tinta. As janelas viviam fechadas, assim como a varanda com portas corrediças de vidro. A luz entrava, mas o vento não. E a poeira se alojava por sobre os móveis comprados em uma loja de segunda mão.
Eu vivia dentro desse espaço sem conviver bem com espelhos. Tinha apenas um dentro do apartamento. E ainda assim nós nos comportávamos como Calistenes e Alexandre, o Grande. Tudo seguia bem até que meu lado conquistador emergiu e cismou em querer ser divino. E a filosofia, que nada tem a ver com o reflexo da realidade, não poderia ser submetida a tão tolo capricho.
Era uma época de muitas mudanças. Eu queria conquistar uma garota que quando deslumbrava a rua com um sorriso, por aquela janela, o espírito anunciava a total imortalidade da sua beleza. Ela resplandecia uma luz hiperbórea e eu tinha a amoralidade do suor como desgaste. Eu era calor e preferia tato. E ela, brilho.
O dia começava bem cedo e tinha horas marcadas. Rotina de gente moderna, que era vista e ouvida em vários lugares. Pagava um preço alto por isso. Sentia ansiedade e repetia o discurso social de aceleração das máquinas, dinamismo. Foi assim até conhecer a dona do sorriso mais cortante do bairro e descobrir que minha onipresença me fazia ausente de mim mesmo.
Meu desejo preferia os anacronismos. Parecia não se preocupar muito com o andar, mas jogava o quadril repetindo movimentos que teriam sido milimetricamente ensaiados. Parecia também não se preocupar com a maneia de vestir, mas certamente aquela estética desordenada custava horas de produção. Difícil entender essa colcha de retalhos. Ora trivial, ora desconexa.
Só queria uma aproximação. Não pediria que dividisse comigo sua eternidade. Minha pele mundana tinha urgência de nudez e de possibilidades. E para conseguir estender-lhe a mão, construí com meu reflexo uma trama de anatomias inconfessadas. A despeito de múltiplos obstáculos, fingindo ter coerência, imitei para ser aceito.
Casaco cool de estilo aviador feito com materiais orgânicos ficando por cima da camiseta com fibra de bambu. Cabelo desgrenhado, calça skinny e botas rasteiras de camurça verde, como as do Peter Pan, usadas sem meia. Vestido dessa forma vi que ser contemporâneo é mesmo instigante.
Foi numa festa nosso encontro por mim premeditado. Ela me olhou, mas não me viu. Parecia ter dificuldades em escolher entre tantas da mesma opção. Eu estava igualzinho aos outros caras. Ali, era como uma massa de trota salgada. Sem histórias, experiências. Sem um diferencial. Tão entediante que não acrescentava nada.
O retorno ao meu território aconteceu antes de virar abóbora em público. Naquele espaço de relações furtivas, tirei a roupa, deitei na cama e acordei desse sonho ainda excitado. No som, em modo repeat, ecoavam versos da nona faixa do álbum déjà-vu, do Metrô. Letra de Evaldo Gouvêa e Jair Amorim. “Um rapaz da moda eu vou ser pra ver se ela gosta de mim...”.

*Texto publicado no Anuário da Moda Potiguar - POSE.

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