quinta-feira, 3 de julho de 2008

Para sempre

Eu já acreditei que muitas coisas fossem. Até que relacionamentos seriam. Mas a vida vem tentando me provar que tudo se desgasta. E mesmo a catarse emocional do fim não consegue purificar a alma a ponto de que haja um recomeço. Sem lembranças, sem dar conselhos como uma forma de nostalgia.
Numa fase dúbia, minha metade crespa diz com um pragmatismo ora incômodo que tudo tem um prazo mais curto e é prudente saber aproveitar. A outra é mais romântica e quer acreditar insistentemente em ciclos e retomadas.
Um pouco mais rarefeito, acordei com o desejo de saber se essa imprecisão atormenta só aos que vivem momentos de conflito. E sem grande prejuízo para a verdade, perguntei a dez amigos se eles acham que algo é para sempre.
O menos emocional me surpreendeu. Disse que os sentimentos intangíveis são. E que tudo que seja palpável deve ser servido em doses homeopáticas. Outra que passa por uma fase mais conturbada acredita na tradição budista. É adepta da lei da impermanência, que antecipa de forma drástica o certeiro fim.
A mais verborrágica acredita na relação entre pais e filhos, no encantamento e na surpresa. Um que mora longe não expôs argumentos piegas quando revelou acreditar no amor fraterno. Uma das mais amadas por mim quer que bons momentos sejam arquivados para sempre. Ela divide espaço com as lembranças de outra amiga, que disse que as pessoas mudam e o melhor é guardar recortes.
A sétima acha que se é para sempre é um verdadeiro milagre. Outro respondeu: não. Uma que curte música eletrônica – e acho que expande a idéia de amor plural – disse que até o querer dela por alguém é mutante, logo o que existe é movimento. E mover-se provoca cansaço. E a que faz terapia, e não pede uma oportunidade de terapeutizar os mais maleáveis, acha que as coisas feitas em amor possuem vida longa.
Anotei tudo e resolvi eu elencar algumas coisas, que mesmo sem saber se serão eternas, gostaria que fossem.
Minha memória olfativa. O carinho do toque que sentia na pele durante as férias de 2004. As noites lendo poesia e bebendo vinho. A ressaca que não entorpece as vontades do corpo. A boca pastosa em dias de preguiça. As tardes de domingo nas dunas. O frio na espinha de ansiedade. O amor que tenho por minha mãe. O perdão que anunciei ter concedido. Um bicho de pelúcia que ganhei de aniversário e que de quando em vez puxo como se fosse rasgar. Os projetos ambiciosos demais que não arrisco tocar - que continuem sendo só projetos. Uma vida tranqüila. Algumas palavras que foram ditas antes de caírem as lágrimas. A crescente coleção de músicas que acredito que foram feitas pra mim. O relacionamento verdadeiro que construí e solidifiquei em um lar.
Há outras coisas. Mas as guardo em segredo. São ingênuas demais para serem compartilhadas sem vergonha. Quero continuar acreditando que ao menos um desses desejos, mesmo que ao acaso, possa se tornar real. E que meus amigos alcancem a mesma proeza. Até os que clamam por dinamismo, que consigam harmonizar a órbita e o centro estático de duas forças. Do que se é e do que será. “Tudo flui, nada persiste, nem permanece o mesmo. O ser não é mais que o vir-a-ser.” (Heráclito).