terça-feira, 8 de julho de 2008

Investindo em si (ou sobre como suportar as asperezas do tempo)

A sala é cor-de-rosa. Há querubins e serafins materializados ali. De cerâmica a maioria. Numa cômoda ao lado do sofá, numa prateleira ao largo do corredor que leva à cozinha e no passeio pra os dois quartos. Anjos que casam com orações bordadas em ponto cruz, emolduradas e postas nas paredes.
Por fora da janela, quatro bebedouros com água, açúcar e enfeites de plástico. Seis beija-flores se alimentam num bailado impressionante. E uma vez aberta a vidraça, invadem a casa para compor com o ambiente.
Não é o tipo de decoração que me agrada, mas é muito harmônico e não posso deixar de perceber o cuidado que teve em combinar estampas, em pôr as almofadas por sobre o sofá e até na cortina dos oratórios - usados durante a noite como quartos. O tecido amarelo e de franjas esconde fissuras e infiltrações.
As imperfeições estão por outras partes. Mas são escondidas por Janice. Há três anos ela tapa as rachaduras e buracos que se formam periodicamente. E enfeita com adornos barrocos com se quisesse fugir de um pesadelo.
Sobre maus bocados ela tem entendimento. O trabalho como agente penitenciária certamente não era com o que sonhava. Por causa dele, e para manter sua segurança, ela não queria ser entrevistada. Àquela altura da vida, beirando os quarenta, já tinha se acostumado com o choque de realidade que era sair do ofício e entrar no seguro abrigo. Mesmo que a proteção nem fosse tanta.
Seu sonho de ter um imóvel próprio estava fadado a desmoronar. Janice vive no bloco C de um condomínio com oito torres e 128 apartamentos, erguido sobre um alicerce frágil e com material de quinta em todo o resto. O quarto andar do edifício dela é o mais afetado. O que, na conclusão do laudo de perícia do Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura, mais corre risco de cair.
Janice ainda nem terminou de pagar por ele e continua fazendo isso todo fim de mês. Vai ao banco que financiou a operação e quita mais R$ 153. Ao final de 15 anos deve ter o parcelamento terminado e conquistar em definitivo todos os direitos daquele contrato de arrendamento. Ela mexe comigo pelo simples fato de não ter esmurecido e ainda investido tempo, energia e sentimentos em seus projetos, durem o tempo que for.

Um comentário:

Carlos Vin disse...

Bacana o teu texto, cara...

Cara, em relação ao tradutor eu vou procurar como foi q eu coloquei, eu encontrei ajuda em um tutorial... pq faz tempo, eu não me lembro...
Mas eu vou procurar