Deveria ter seguido a carreira artística. De quando em vez tenho uma inclinação curiosa de estar na pele de outra pessoa. De sentir o que eu não consigo quase sempre sendo o mesmo menino franzino da minha infância. E nos últimos tempos mais especialmente de poder saber como é viver uma terceira pessoa, uma afronta.
Nunca fui outro em qualquer relação. Bate um desconforto crer que poderia enlouquecer como já vi se passar. Dizem os mais cultos que as máximas empobrecem os textos. Mas algumas de tão certeiras não podem ser substituídas facilmente. Dois é bom, três é demais. Esse é um dos melhores ditos. Difícil é controlar os impulsos.
Dentro de mim há duas forças. E não falo aqui literariamente de uma metade lisa e outra crespa. Ou de conceitos baseados na filosofia e na metafísica da cultua chinesa como yin e yang. É uma proposta muito mais visceral. De ser carne e sentimento em um só corpo, ou de uma maneira mais poética, como já disse Caetano, a dor e a delícia.
É impossível prever quando se será o causador da discórdia. Por isso acho que todas as pessoas entram despreparadas, sem ter tido a oportunidade de passar por algumas sessões de análise pra saber até que ponto ir e como se comportar diante do novo.
De fora, a pior situação sempre parece a de quem passa a ser menos solicitado e que comumente fica se sugestionando o que teria feito de errado, o que já é um grande equívoco. Como defende Lacan, o nosso desejo encontra sentido no desejo do outro. Faz parte da teoria dos espelhos. Nos final da contas somos todos narcísicos, buscando nos reconhecer nos olhos de alguém.
Uma amiga arregala os olhos de tal forma que parece que eles vão pular da caixa. É assim a cada tilintar de taças ou tulipas. Calculando os movimentos friamente parece que se está participando de uma película de terror. Só se torna mais sutil porque o gesto recorrente acontece entre amigos e tem querer no meio. Sempre brindo e a perdôo.
Nos trajetos da minha memória nunca valeu desviar o olhar. Por outras paragens há reflexos. Nos lagos. No mar. E encontrar-se parece fácil. O sonho oceânico da poesia de Zila Mamede arrasta. Mas não acredito por qualquer regra intrínseca nas leis da nação. É que realmente parece que esse é o ponto crítico e que delimita o adoecer da relação.
Eu tenho a sorte de já ter conhecido o amor e vivo de paixões encontradas no meio de alguns terrenos. Neles existe muito campo pra seguir apressadamente e árvores, mas no meio da correria, invariavelmente, esses espaços viram descampados. Acontece de uma forma muito rápida. Basta uma noite sem adormecer sentido o cheiro guardado na nuca.
Paixões são covardes feito a maioria de nós. E tentadoras como muitas situações. Basta viver pra se complicar. Digo isso vendo minhas prateleiras internas de sentimentos escalonados. Guardados de quem insiste em seguir vivendo, vivendo e não aprendendo. E que tem a calma apertada dos que acreditam que, mesmo já tendo a experiência e não querendo repetir, pode acontecer outra vez.
Mas já é tarde. Apesar de meu relógio biológico ter perdido a noção, um na parede lembra que passa das duas da madrugada. É hora de deslanchar uma plêiade de teorias e lembrar que no descanso noturno dá pra se fugir da dor da dissolução. O cansaço agora é o maior algoz. Vou dormir.
sexta-feira, 30 de janeiro de 2009
quarta-feira, 21 de janeiro de 2009
Seguir
Os números pares me parecem mais confiáveis. Se não for assim sempre um fica isolado ou divide as contas só pra complicar. Talvez essa teoria tenha algum reflexo no penar de ficar só. Gosto de grupo, de bando, só que devidamente equilibrado.
Isso pode até já ter virado um transtorno na minha rotina. Quem ainda não conhece essa mania, de quando em vez ri ou comenta sobre minha aflição ao ver o volume da TV em um número ímpar.
Em outras fases já foi pior. Cheguei a contar o número de discos, de livros, a cutelaria e mais um par de coisas. Morar sozinho e ter tantas tranqueiras e cômodos pra enfiá-las me fez relaxar um pouco, mas continuo sem pisar no rejunte do piso. Assim, sigo andando de quadrado em quadrado.
Das esquisitices guardo ainda a de colocar as almofadas enfileiradas no sofá. A casa pode estar de ponta cabeça, mas o colorido delas sempre obedece a mesma sequência. Outras são momentâneas, afortunadamente.
Faltava pouco para o verão ser oficialmente deflagrado no calendário. Onde vivo faz sol durante quase todo o ano e, logo, ir à praia em janeiro, maio ou novembro dá igual. O ano estava acabando. Entrei no carro numa terça-feira pela manhã em direção a um recanto mais tranquilo do litoral.
Coqueirais, parada, pés descalços, passos. Nova parada, encantamento, reflexão e volto a andar. Pouca gente com tempo livre no meio da semana feito eu. Na minha casa não gosto de nada que um dia já abrigou vida. Conchas e afins não passam da porta. Mais um cacuete. Mas naquele dia havia muitas pedras no chão. Pequenas rochas iluminadas pela luz da manhã.
Ser pedra, como já disse o Manoel de Barros, possui vantagens. Elas irritam o silêncio dos insetos e são batidas de luar nas solitudes. Acredito também nos simbolismos originários das pedras, no ar de contemplação que carregam.
Podem ser chutadas pelos menos sensíveis ou escolhidas a dedo. Naquele dia eu, que tinha algumas pelo caminho, acariciei, lavei com zelo em água salgada e carreguei comigo. Guardei-as no carro até hoje. 26 no total, entre bancas, amarelas e algumas quase rosadas.
Aquele era um dia de despedidas. O último passeio à beira mar antes da chegada do verão. Era também o momento de me livrar de alguns percalços. Obstáculos que deveriam ser simplesmente contornados, mas que pelo fascínio que provocaram foram encarados, destruíram minha segurança e ajudaram a construir um novo ponto de vista.
Não preciso de manias bobas além das que já tenho sem conseguir me livrar de vez. E, definitivamente, essas pedras podem ser encontradas por outros que, assim como eu, devem marcar a hora da descoberta com um ponto final. Sem reticências, o hoje é mais feliz.
Isso pode até já ter virado um transtorno na minha rotina. Quem ainda não conhece essa mania, de quando em vez ri ou comenta sobre minha aflição ao ver o volume da TV em um número ímpar.
Em outras fases já foi pior. Cheguei a contar o número de discos, de livros, a cutelaria e mais um par de coisas. Morar sozinho e ter tantas tranqueiras e cômodos pra enfiá-las me fez relaxar um pouco, mas continuo sem pisar no rejunte do piso. Assim, sigo andando de quadrado em quadrado.
Das esquisitices guardo ainda a de colocar as almofadas enfileiradas no sofá. A casa pode estar de ponta cabeça, mas o colorido delas sempre obedece a mesma sequência. Outras são momentâneas, afortunadamente.
Faltava pouco para o verão ser oficialmente deflagrado no calendário. Onde vivo faz sol durante quase todo o ano e, logo, ir à praia em janeiro, maio ou novembro dá igual. O ano estava acabando. Entrei no carro numa terça-feira pela manhã em direção a um recanto mais tranquilo do litoral.
Coqueirais, parada, pés descalços, passos. Nova parada, encantamento, reflexão e volto a andar. Pouca gente com tempo livre no meio da semana feito eu. Na minha casa não gosto de nada que um dia já abrigou vida. Conchas e afins não passam da porta. Mais um cacuete. Mas naquele dia havia muitas pedras no chão. Pequenas rochas iluminadas pela luz da manhã.
Ser pedra, como já disse o Manoel de Barros, possui vantagens. Elas irritam o silêncio dos insetos e são batidas de luar nas solitudes. Acredito também nos simbolismos originários das pedras, no ar de contemplação que carregam.
Podem ser chutadas pelos menos sensíveis ou escolhidas a dedo. Naquele dia eu, que tinha algumas pelo caminho, acariciei, lavei com zelo em água salgada e carreguei comigo. Guardei-as no carro até hoje. 26 no total, entre bancas, amarelas e algumas quase rosadas.
Aquele era um dia de despedidas. O último passeio à beira mar antes da chegada do verão. Era também o momento de me livrar de alguns percalços. Obstáculos que deveriam ser simplesmente contornados, mas que pelo fascínio que provocaram foram encarados, destruíram minha segurança e ajudaram a construir um novo ponto de vista.
Não preciso de manias bobas além das que já tenho sem conseguir me livrar de vez. E, definitivamente, essas pedras podem ser encontradas por outros que, assim como eu, devem marcar a hora da descoberta com um ponto final. Sem reticências, o hoje é mais feliz.
sábado, 17 de janeiro de 2009
Pra ser interessante
Precisa acordar brisa, com a languidez de um corpo em curvas. E ter porto em meus braços de acarinhar pensamento durante os dias nublados. É também de sorrir de um canto ao outro, sem preocupações durante pelo menos os primeiros cinco minutos da manhã.
Precisa usar chinelos e ter cuidado com os pés. Gostar de experimentar banhos, harmonizando sais, som e luz. Há que se saber cozinhar ou então ter coragem de comandar caçarolas para um jantar combinado. E agir sem quaisquer pudores.
Basta ter um número de telefone e, entre tantas tecnologias, se satisfazer com uma máquina fotográfica. É preciso ainda saber dançar, escolher almofadas e plantas, dobrar guardanapos, fazer surpresa e guardar segredo.
Tem que entender de algum tipo de bebida. Ensinar sobre como escolher antes do primeiro trago, brindar mirando no olho e rir quando o sangue estiver mais espalhado pelo álcool. Mas é preciso ter conhecimento que entorpecer-se é uma forma de fugir da realidade. Então, é prudente que tenha uma dose de sensatez.
Precisa saber levar sobreiros. Usar bloqueador para o sol e repelente nos momentos de acampamento. Tentar ser lícito é uma boa, assim como, durante um passeio, nadar até a beira da praia e voltar ofegante. Ainda é necessário ser complacente em lábios e ter urgência de tato e paladar.
Para ser, de quando em vez se faz urgente sorver inutilidades e gostar de ser pedra para conseguir contemplar o movimento alvissareiro das formigas. Ter humor, peito largo e caixas para guardar reminiscências também conta ponto. Mas, sobretudo, precisa ter um ar exibicionista ao se espreguiçar.
Precisa usar chinelos e ter cuidado com os pés. Gostar de experimentar banhos, harmonizando sais, som e luz. Há que se saber cozinhar ou então ter coragem de comandar caçarolas para um jantar combinado. E agir sem quaisquer pudores.
Basta ter um número de telefone e, entre tantas tecnologias, se satisfazer com uma máquina fotográfica. É preciso ainda saber dançar, escolher almofadas e plantas, dobrar guardanapos, fazer surpresa e guardar segredo.
Tem que entender de algum tipo de bebida. Ensinar sobre como escolher antes do primeiro trago, brindar mirando no olho e rir quando o sangue estiver mais espalhado pelo álcool. Mas é preciso ter conhecimento que entorpecer-se é uma forma de fugir da realidade. Então, é prudente que tenha uma dose de sensatez.
Precisa saber levar sobreiros. Usar bloqueador para o sol e repelente nos momentos de acampamento. Tentar ser lícito é uma boa, assim como, durante um passeio, nadar até a beira da praia e voltar ofegante. Ainda é necessário ser complacente em lábios e ter urgência de tato e paladar.
Para ser, de quando em vez se faz urgente sorver inutilidades e gostar de ser pedra para conseguir contemplar o movimento alvissareiro das formigas. Ter humor, peito largo e caixas para guardar reminiscências também conta ponto. Mas, sobretudo, precisa ter um ar exibicionista ao se espreguiçar.
sexta-feira, 16 de janeiro de 2009
Gente carente e assaltantes, por favor, longe de mim
Havia tempos que queria ter uma bicicleta. Depois da experiência quando ainda era adolescente tive uma segunda vez já com cabelos brancos. Os fios é que apareceram cedo. Tenho 26 anos de idade e eles já tomam quase metade da minha cabeça. Mas a despeito do que possam parecer depois de tomar emprestada por alguns meses a bike de uma amiga, tomei gosto e resolvi comprar uma.
Percorri um par de lojas, liguei para um amigo que pratica corrida de aventura e entende do riscado, pedi orientação, me assustei com os valores, com a formação de cartel que os vendedores justificam dizendo que o preço é tabelado pelos fabricantes e por fim escolhi a minha. Uma Merida, preta, com 24 marchas e aro 21, ideal pro meu tamanho, já que a altura do meu cavalo é 89,5 centímetros.
No instante em que estava na loja conheci quatro pessoas que pedalam pela cidade, fazem trilha em dias que acordam fora de estrada e saem sempre em grupo. Todas elas se apresentaram, conversaram, pediram meu telefone – e eu dei – e me ligaram em menos de 24 horas pra convidar para algum passeio.
Agradeci e neguei todos os convites. Em geral as pessoas que pedalam me parecem muito carentes. Não tenho falta de amigos e gosto de bancar o sedentário em uma mesa de bar, dividindo cervejas com os mais chegados. Logo, não sirvo para ser atleta e tampouco tenho a disposição de pedalar todos os dias.
Minha bunda ficou toda dolorida depois da primeira hora em cima dela. No dia seguinte foi ainda pior. Ainda bem que inventaram uma tecnologia fantástica que é a de acolchoar as bermudas com espuma feita para roupa de astronauta. Essa, em minha opinião, só perde para a invenção do chuveiro elétrico e, claro, o controle remoto.
Passei a andar em dias intercalados. De quando em vez com um ou dois amigos. Noutras sozinho, ouvindo silêncios ou alguma seleção musical com fones de ouvido. Bons momentos.
Passava das oito da noite quando resolvi largar o penúltimo capítulo da novela pela metade para das umas voltas. O percurso era menor que o habitual pelo nobre motivo do encontro pouco mais de uma hora depois num boteco. Saí de casa com todos os equipamentos de segurança, água, o Ipod, telefone e um molho de chaves.
O vento batia forte no meu rosto no momento em que descia uma avenida larga. Vinha pelo acostamento. Os carros que esperavam o semáforo passaram por mim. Peguei embalo. Isso em ajudaria numa subida logo adiante. Concentração. Quando levantei a cabeça havia um homem encapuzado descendo um morro, vindo em minha direção.
De cara tomei um susto. Não pela arma na mão, mas pela primeira vez tive medo de uma máscara de carnaval. Era tipo um lobisomem, só que com um revólver apontado pra mim. E aos gritos. Logo chegou outro folião pra curtir comigo. Ele mandou e eu obedeci. Desci da bike e lhe estendi. Questionei quando pediu a bolsa. Mas só tem água e as chaves de casa, retruquei. Tire a mochila e vire!
0004-2009-00332. Esse é o número do boletim de ocorrência que fiz depois do episódio. Mais uma vez não vai dar em nada. Na hora nem viatura havia na delegacia mais próxima. E por aquelas bandas, perto do Parque de Natal, como disse o policial que me atendeu: a coisa ta feia. Bandido atira mesmo.
Voltei pra casa com o vento batendo no rosto entristecido. E pensando no conselho que minha mãe me dá e que, seguro, recebeu da sua. Hoje, discordo. Antes mal acompanhado do que só. Com ciclistas obcecados em aumentar o grupo eu só ia ter de tomar um açaí no final da noite e fazer ouvidos mocos ou terapeutizar os mais aflitos.
Percorri um par de lojas, liguei para um amigo que pratica corrida de aventura e entende do riscado, pedi orientação, me assustei com os valores, com a formação de cartel que os vendedores justificam dizendo que o preço é tabelado pelos fabricantes e por fim escolhi a minha. Uma Merida, preta, com 24 marchas e aro 21, ideal pro meu tamanho, já que a altura do meu cavalo é 89,5 centímetros.
No instante em que estava na loja conheci quatro pessoas que pedalam pela cidade, fazem trilha em dias que acordam fora de estrada e saem sempre em grupo. Todas elas se apresentaram, conversaram, pediram meu telefone – e eu dei – e me ligaram em menos de 24 horas pra convidar para algum passeio.
Agradeci e neguei todos os convites. Em geral as pessoas que pedalam me parecem muito carentes. Não tenho falta de amigos e gosto de bancar o sedentário em uma mesa de bar, dividindo cervejas com os mais chegados. Logo, não sirvo para ser atleta e tampouco tenho a disposição de pedalar todos os dias.
Minha bunda ficou toda dolorida depois da primeira hora em cima dela. No dia seguinte foi ainda pior. Ainda bem que inventaram uma tecnologia fantástica que é a de acolchoar as bermudas com espuma feita para roupa de astronauta. Essa, em minha opinião, só perde para a invenção do chuveiro elétrico e, claro, o controle remoto.
Passei a andar em dias intercalados. De quando em vez com um ou dois amigos. Noutras sozinho, ouvindo silêncios ou alguma seleção musical com fones de ouvido. Bons momentos.
Passava das oito da noite quando resolvi largar o penúltimo capítulo da novela pela metade para das umas voltas. O percurso era menor que o habitual pelo nobre motivo do encontro pouco mais de uma hora depois num boteco. Saí de casa com todos os equipamentos de segurança, água, o Ipod, telefone e um molho de chaves.
O vento batia forte no meu rosto no momento em que descia uma avenida larga. Vinha pelo acostamento. Os carros que esperavam o semáforo passaram por mim. Peguei embalo. Isso em ajudaria numa subida logo adiante. Concentração. Quando levantei a cabeça havia um homem encapuzado descendo um morro, vindo em minha direção.
De cara tomei um susto. Não pela arma na mão, mas pela primeira vez tive medo de uma máscara de carnaval. Era tipo um lobisomem, só que com um revólver apontado pra mim. E aos gritos. Logo chegou outro folião pra curtir comigo. Ele mandou e eu obedeci. Desci da bike e lhe estendi. Questionei quando pediu a bolsa. Mas só tem água e as chaves de casa, retruquei. Tire a mochila e vire!
0004-2009-00332. Esse é o número do boletim de ocorrência que fiz depois do episódio. Mais uma vez não vai dar em nada. Na hora nem viatura havia na delegacia mais próxima. E por aquelas bandas, perto do Parque de Natal, como disse o policial que me atendeu: a coisa ta feia. Bandido atira mesmo.
Voltei pra casa com o vento batendo no rosto entristecido. E pensando no conselho que minha mãe me dá e que, seguro, recebeu da sua. Hoje, discordo. Antes mal acompanhado do que só. Com ciclistas obcecados em aumentar o grupo eu só ia ter de tomar um açaí no final da noite e fazer ouvidos mocos ou terapeutizar os mais aflitos.
terça-feira, 13 de janeiro de 2009
Um rapaz da moda
Dava pra ver pela arrumação do loft que não havia preocupação em dispor de objetos. Aquele era um refúgio de relações afetivas amistosas. Encontros fugazes e tórridos que quase sempre não tinham seqüência. Tão espaçados quanto a manutenção do gás da geladeira que sempre abrigava refeições ligeiras com o prazo de validade expirado.
As paredes eram quase sem cor. Precisavam de uma tinta. As janelas viviam fechadas, assim como a varanda com portas corrediças de vidro. A luz entrava, mas o vento não. E a poeira se alojava por sobre os móveis comprados em uma loja de segunda mão.
Eu vivia dentro desse espaço sem conviver bem com espelhos. Tinha apenas um dentro do apartamento. E ainda assim nós nos comportávamos como Calistenes e Alexandre, o Grande. Tudo seguia bem até que meu lado conquistador emergiu e cismou em querer ser divino. E a filosofia, que nada tem a ver com o reflexo da realidade, não poderia ser submetida a tão tolo capricho.
Era uma época de muitas mudanças. Eu queria conquistar uma garota que quando deslumbrava a rua com um sorriso, por aquela janela, o espírito anunciava a total imortalidade da sua beleza. Ela resplandecia uma luz hiperbórea e eu tinha a amoralidade do suor como desgaste. Eu era calor e preferia tato. E ela, brilho.
O dia começava bem cedo e tinha horas marcadas. Rotina de gente moderna, que era vista e ouvida em vários lugares. Pagava um preço alto por isso. Sentia ansiedade e repetia o discurso social de aceleração das máquinas, dinamismo. Foi assim até conhecer a dona do sorriso mais cortante do bairro e descobrir que minha onipresença me fazia ausente de mim mesmo.
Meu desejo preferia os anacronismos. Parecia não se preocupar muito com o andar, mas jogava o quadril repetindo movimentos que teriam sido milimetricamente ensaiados. Parecia também não se preocupar com a maneia de vestir, mas certamente aquela estética desordenada custava horas de produção. Difícil entender essa colcha de retalhos. Ora trivial, ora desconexa.
Só queria uma aproximação. Não pediria que dividisse comigo sua eternidade. Minha pele mundana tinha urgência de nudez e de possibilidades. E para conseguir estender-lhe a mão, construí com meu reflexo uma trama de anatomias inconfessadas. A despeito de múltiplos obstáculos, fingindo ter coerência, imitei para ser aceito.
Casaco cool de estilo aviador feito com materiais orgânicos ficando por cima da camiseta com fibra de bambu. Cabelo desgrenhado, calça skinny e botas rasteiras de camurça verde, como as do Peter Pan, usadas sem meia. Vestido dessa forma vi que ser contemporâneo é mesmo instigante.
Foi numa festa nosso encontro por mim premeditado. Ela me olhou, mas não me viu. Parecia ter dificuldades em escolher entre tantas da mesma opção. Eu estava igualzinho aos outros caras. Ali, era como uma massa de trota salgada. Sem histórias, experiências. Sem um diferencial. Tão entediante que não acrescentava nada.
O retorno ao meu território aconteceu antes de virar abóbora em público. Naquele espaço de relações furtivas, tirei a roupa, deitei na cama e acordei desse sonho ainda excitado. No som, em modo repeat, ecoavam versos da nona faixa do álbum déjà-vu, do Metrô. Letra de Evaldo Gouvêa e Jair Amorim. “Um rapaz da moda eu vou ser pra ver se ela gosta de mim...”.
*Texto publicado no Anuário da Moda Potiguar - POSE.
As paredes eram quase sem cor. Precisavam de uma tinta. As janelas viviam fechadas, assim como a varanda com portas corrediças de vidro. A luz entrava, mas o vento não. E a poeira se alojava por sobre os móveis comprados em uma loja de segunda mão.
Eu vivia dentro desse espaço sem conviver bem com espelhos. Tinha apenas um dentro do apartamento. E ainda assim nós nos comportávamos como Calistenes e Alexandre, o Grande. Tudo seguia bem até que meu lado conquistador emergiu e cismou em querer ser divino. E a filosofia, que nada tem a ver com o reflexo da realidade, não poderia ser submetida a tão tolo capricho.
Era uma época de muitas mudanças. Eu queria conquistar uma garota que quando deslumbrava a rua com um sorriso, por aquela janela, o espírito anunciava a total imortalidade da sua beleza. Ela resplandecia uma luz hiperbórea e eu tinha a amoralidade do suor como desgaste. Eu era calor e preferia tato. E ela, brilho.
O dia começava bem cedo e tinha horas marcadas. Rotina de gente moderna, que era vista e ouvida em vários lugares. Pagava um preço alto por isso. Sentia ansiedade e repetia o discurso social de aceleração das máquinas, dinamismo. Foi assim até conhecer a dona do sorriso mais cortante do bairro e descobrir que minha onipresença me fazia ausente de mim mesmo.
Meu desejo preferia os anacronismos. Parecia não se preocupar muito com o andar, mas jogava o quadril repetindo movimentos que teriam sido milimetricamente ensaiados. Parecia também não se preocupar com a maneia de vestir, mas certamente aquela estética desordenada custava horas de produção. Difícil entender essa colcha de retalhos. Ora trivial, ora desconexa.
Só queria uma aproximação. Não pediria que dividisse comigo sua eternidade. Minha pele mundana tinha urgência de nudez e de possibilidades. E para conseguir estender-lhe a mão, construí com meu reflexo uma trama de anatomias inconfessadas. A despeito de múltiplos obstáculos, fingindo ter coerência, imitei para ser aceito.
Casaco cool de estilo aviador feito com materiais orgânicos ficando por cima da camiseta com fibra de bambu. Cabelo desgrenhado, calça skinny e botas rasteiras de camurça verde, como as do Peter Pan, usadas sem meia. Vestido dessa forma vi que ser contemporâneo é mesmo instigante.
Foi numa festa nosso encontro por mim premeditado. Ela me olhou, mas não me viu. Parecia ter dificuldades em escolher entre tantas da mesma opção. Eu estava igualzinho aos outros caras. Ali, era como uma massa de trota salgada. Sem histórias, experiências. Sem um diferencial. Tão entediante que não acrescentava nada.
O retorno ao meu território aconteceu antes de virar abóbora em público. Naquele espaço de relações furtivas, tirei a roupa, deitei na cama e acordei desse sonho ainda excitado. No som, em modo repeat, ecoavam versos da nona faixa do álbum déjà-vu, do Metrô. Letra de Evaldo Gouvêa e Jair Amorim. “Um rapaz da moda eu vou ser pra ver se ela gosta de mim...”.
*Texto publicado no Anuário da Moda Potiguar - POSE.
sexta-feira, 2 de janeiro de 2009
Em oito minutos
Já tive umas das melhores transas da minha vida. Sou capaz de engolir sanduíche e batata frita com a ajuda de um refrigerante se estiver atrasado pra o trabalho. Torço pra sair do banco. Danço duas músicas debaixo do chuveiro. Consigo prepara quatro tapiocas ou dois miojos. Decido ir à praia, visto uma sunga e saio. Posso viver intensamente e lembrar isso pelo resto da vida. Acredito que é tempo suficiente para se virar o jogo. E, afortunadamente, em 2009 terei oito minutos a mais.
Para a noite de reveillon alguns cuidados. Cueca cor-de-rosa, sementes de uva guardadas, porco como prato principal da ceia – fuça pra frente e garante armários cheios o ano todo -, chinelo de couro branco com dinheiro preso na sola por uma fita adesiva pra começar o ano pisando na grana. Bom, ao menos os orientais dizem que a energia entra pelos pés. Então achei que tentar não faria mal.
Cumprir tantos rituais devia ser pra tentar substituir a ausência do mar. Havia não sei nem quanto tempo que sempre na virada eu pulava sete ondas, apesar de preferir os números pares. Esse ano começou mesmo diferente. Na laje da casa de um amigo, onde sempre há um abraço acolhedor, um churrasco ao ponto e muita gente bacana. Aliás, bacana e encarando uma proposta “avonts” mesmo na noite de reveillon.
Pouca gente levava um relógio no pulso e ninguém se lembrou de olhar as horas. Puxei o celular. Marcava 11h52. Os fogos começaram a estourar. Dançando, ninguém tinha se dado conta de que já era ano novo – ou não! Abraços, brindes, fotos.
Doze meses são suficientes pra se ficar exausto e entregar os pontos. Mas como já disse Drummond, aí entra dezembro e com ele a idéia de renovação no final do mês, de uma dia para o outro.
Quero uma nova história esse ano. Entrei nele trazendo oito minutos do que ficou no ontem. E hoje meu maior desejo é saber aproveitar esse tempo, que pode parecer pequeno, mas nele há espaço para muitas miudezas de que preciso.
Para a noite de reveillon alguns cuidados. Cueca cor-de-rosa, sementes de uva guardadas, porco como prato principal da ceia – fuça pra frente e garante armários cheios o ano todo -, chinelo de couro branco com dinheiro preso na sola por uma fita adesiva pra começar o ano pisando na grana. Bom, ao menos os orientais dizem que a energia entra pelos pés. Então achei que tentar não faria mal.
Cumprir tantos rituais devia ser pra tentar substituir a ausência do mar. Havia não sei nem quanto tempo que sempre na virada eu pulava sete ondas, apesar de preferir os números pares. Esse ano começou mesmo diferente. Na laje da casa de um amigo, onde sempre há um abraço acolhedor, um churrasco ao ponto e muita gente bacana. Aliás, bacana e encarando uma proposta “avonts” mesmo na noite de reveillon.
Pouca gente levava um relógio no pulso e ninguém se lembrou de olhar as horas. Puxei o celular. Marcava 11h52. Os fogos começaram a estourar. Dançando, ninguém tinha se dado conta de que já era ano novo – ou não! Abraços, brindes, fotos.
Doze meses são suficientes pra se ficar exausto e entregar os pontos. Mas como já disse Drummond, aí entra dezembro e com ele a idéia de renovação no final do mês, de uma dia para o outro.
Quero uma nova história esse ano. Entrei nele trazendo oito minutos do que ficou no ontem. E hoje meu maior desejo é saber aproveitar esse tempo, que pode parecer pequeno, mas nele há espaço para muitas miudezas de que preciso.
Assinar:
Postagens (Atom)