terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Bailados de Roberta Sá



Formada em balé clássico, Roberta começou cantando samba e desenhando passos curtos pelos palcos: sua história é com o canto. Depois de oito anos de requebros e dia mais intimistas, consolidou a carreira de um jeito manso, como é sua voz. Diversifica ritmos, já fez temporada de bailes de carnaval e, pra tudo acabar em festa, está preparada para ser mãe.   

A cantora Roberta Sá tem um relógio na cintura. Aos 32 anos e casada com o também músico Pedro Luís, ela leva cada vez menos trabalho pra casa, embora a inspiração – como é praxe no universo artístico – não tenha hora para acontecer. O que lhe salva, como costuma dizer, é uma música de Chico Buarque, já gravada por ela: “Eu faço samba e amor até mais tarde e tenho muito sono de manhã.”
“Estou numa idade em que isso sempre está na cabeça e filho é algo que a gente quer muito”, diz, alegando que, apesar de a música estar no cotidiano dos dois, nos momentos de intimidade há trégua. “É difícil, mas temos conseguido. A gente leva cada vez menos trabalho pra casa. Claro, eu sou casada com uma pessoa que eu confio no gosto, no julgamento, e o Pedro é muito experiente. A gente tem uma relação muito grande do cumplicidade (...), respeitamos o espaço criativo do outro e estamos cuidando de uma parte musical para o lazer.”
Os dois formaram uma dupla antes de ser um casal. Roberta estava prestes a gravar seu primeiro disco, em 2005, e pediu uma música ao carioca. Nascida em Natal e radicada no Rio de Janeiro, ela recebeu de presente “No Braseiro”, faixa que puxou o título do álbum de estreia. Houve várias trocas até que ela bem retribuiu o apoio em 2011, gravando “Tempo de menino”, no disco solo do marido.
Os encontros não atendem exigências, como ela faz questão de frisar. Eles já subiram ao palco juntos, mas, afora as pequenas participações, não fizeram ainda um trabalho em parceria. São cobrados, mas Roberta despista. “Tem de ser uma celebração e vir na hora certa.”    


“Estou numa idade em que isso sempre está na cabeça e filho  é algo que a gente quer muito”, sobre ter filhos.

Um dos mais recentes encontros musicais da cantora foi com o madrilenho Alejandro Sanz, que ao ouvi seu álbum “Segunda pele”, a convidou para gravar a música “Bailo con vos”. “É outro departamento: ele é um pop star”, diz, com um semblante ainda de surpresa mesclado com distanciamento, mesmo que as afinidades tenham sido descobertas já no primeiro encontro, quando ele esteve no Rio de Janeiro. “Rolou química na hora de cantar e ele é uma graça de pessoa.”
Antes de gravar, voltam as vantagens de ter um parceiro em casa. Ao receber a música do produtor - Roberta e Alejandro Sanz estão na mesma gravadora, a Universal – ela pediu para que Pedro Luís fizesse uma versão. Terminou gostando das duas letras e, por isso mesmo, canta em português e espanhol.
Afeita a novidades musicais e fruto de uma miscelânea natural do Nordeste e dos grandes centros do Brasil, Roberta tem escutado outro artista hispano: Jorge Drexler, nascido no Uruguai, mas que hoje mora na Espanha.


Quando criança Roberta recebia os ecos da Jovem Guarda e ouvia clássicos dos Beatles, eram essas as influências dos pais. Ainda não pensava em seguir a carreira artística. Estudou jornalismo, caiu no programa Fama, da Rede Globo, não cedeu ao estilo americanizado imposto pelo reality, mas encontrou lá outro parceiro, Felipe Abreu, que se tornou seu preparador vocal.
Um ano mais tarde, em 2003, gravou um CD demo com cinco faixas. Aquilo chegou às mãos do autor de novelas Gilberto Braga e ele, assim, gravou um clássico de Dorival Caymmi para a trilha da novela “Celebridade”. “Meu primeiro disco realmente aconteceu por acaso. Fiz essa demo e a coisa foi acontecendo.” Oito anos depois ela conta com uma equipe para “realizar os desejos e também ajudar a colocar os pés no chão.”
Desde esse princípio, no entanto, parecia claro que a escolha era pelo samba. Roberta Sá cantava e desenhava nos palcos passos curtos, de uma dança quase retraída, se é que se pode ser assim. Mas era. Experimentada e tendo estudado balé desde a infância na companhia Corpo Vivo, ainda na capital potiguar, ela sabia o que apresentar. Muito distante daquele palco que se movimentava e era cercado por gruas pendurando câmeras de televisão, na sua primeira aparição para o país, ela desvendou os mistérios.
“Estou cada vez mais à vontade no palco. Tenho dias mais introspectivos e outros em que danço mais. O tipo de relação que criei com meu público me permite isso, que seja mais natural e expresse o que sinto”, garante e lembra o padrinho musical, Ney Matogrosso. “Ele diz: ‘você não precisa se mexer muito, sua história é com a voz’. E ele tem muita razão, minha história no palco é com o canto.”


A julgar pelos dois últimos trabalhos, vê-se que a relação de Roberta não era só com o samba, apesar de ela sugestionar em breve fazer um disco só com sambas. Atualmente está em turnê com “Segunda pele”, álbum que tem muito de transformação, de mudança de pele, ritmos variados e é um disco mais íntimo. “É um disco que fiz mais livre. As músicas falam de um olhar mais feminino, de uma mulher urbana, mas que é amorosa. Poeticamente o foco é na alma feminina”, explica.
Antes disso foi lançado “Quando o canto é reza”, em parceria com o Trio Madeira Brasil. “Se eu fosse gravar, seria uma coisa. Se o trio fizesse, seria outra. A gente bateu muita cabeça até encontrar uma sonoridade nossa e eu fiquei muito impressionada com o poder da música brasileira crua, de raiz, do violão de sete cordas, do repertório brejeiro do Roque Ferreira. O disco foi um sucesso comercial sem que a gente fizesse televisão”, comemora e revela sua inspiração: “Busquei minhas imagens de infância, da praia de Muriú, de Ceará-Mirim, no meu Rio Grande do Norte.”
Aliás, uma das grandes vantagens de Roberta é ser muitas, diversificar o repertório, de ser “potioca”, como certa vez descreveu Tony Garrido, meio potiguar, meio carioca. “O meu povo do Nordeste sabe receber muito bem e algumas coisas ficam na nossa alma. Eu guardo tudo isso e sou resultado de uma mistura muito grande”. 



Texto: Cristiano Félix
Fotos: Murilo Meirelles/ Cedidas

* Reportagem publicada originalmente na revista LivingFor.

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