Formada em balé clássico, Roberta começou cantando samba e
desenhando passos curtos pelos palcos: sua história é com o canto. Depois de
oito anos de requebros e dia mais intimistas, consolidou a carreira de um jeito
manso, como é sua voz. Diversifica ritmos, já fez temporada de bailes de
carnaval e, pra tudo acabar em festa, está preparada para ser mãe.
A cantora Roberta Sá tem um relógio na cintura. Aos 32 anos
e casada com o também músico Pedro Luís, ela leva cada vez menos trabalho pra
casa, embora a inspiração – como é praxe no universo artístico – não tenha hora
para acontecer. O que lhe salva, como costuma dizer, é uma música de Chico
Buarque, já gravada por ela: “Eu faço samba e amor até mais tarde e tenho muito
sono de manhã.”
“Estou numa idade em que isso sempre está na cabeça e filho
é algo que a gente quer muito”, diz, alegando que, apesar de a música estar no
cotidiano dos dois, nos momentos de intimidade há trégua. “É difícil, mas temos
conseguido. A gente leva cada vez menos trabalho pra casa. Claro, eu sou casada
com uma pessoa que eu confio no gosto, no julgamento, e o Pedro é muito
experiente. A gente tem uma relação muito grande do cumplicidade (...),
respeitamos o espaço criativo do outro e estamos cuidando de uma parte musical
para o lazer.”
Os dois formaram uma dupla antes de ser um casal. Roberta
estava prestes a gravar seu primeiro disco, em 2005, e pediu uma música ao
carioca. Nascida em Natal e radicada no Rio de Janeiro, ela recebeu de presente
“No Braseiro”, faixa que puxou o título do álbum de estreia. Houve várias
trocas até que ela bem retribuiu o apoio em 2011, gravando “Tempo de menino”,
no disco solo do marido.
Os encontros não atendem exigências, como ela faz questão de
frisar. Eles já subiram ao palco juntos, mas, afora as pequenas participações,
não fizeram ainda um trabalho em parceria. São cobrados, mas Roberta despista.
“Tem de ser uma celebração e vir na hora certa.”
“Estou numa idade em que isso sempre está na cabeça e filho é algo que a gente quer muito”, sobre ter filhos.
Um dos mais recentes encontros musicais da cantora foi com o
madrilenho Alejandro Sanz, que ao ouvi seu álbum “Segunda pele”, a convidou
para gravar a música “Bailo con vos”. “É outro departamento: ele é um pop
star”, diz, com um semblante ainda de surpresa mesclado com distanciamento,
mesmo que as afinidades tenham sido descobertas já no primeiro encontro, quando
ele esteve no Rio de Janeiro. “Rolou química na hora de
cantar e ele é uma graça de pessoa.”
Antes de gravar, voltam as vantagens de ter um parceiro em
casa. Ao receber a música do produtor - Roberta e Alejandro Sanz estão na mesma
gravadora, a Universal – ela pediu para que Pedro Luís fizesse uma versão.
Terminou gostando das duas letras e, por isso mesmo, canta em português e espanhol.
Afeita a novidades musicais e fruto de uma miscelânea
natural do Nordeste e dos grandes centros do Brasil, Roberta tem escutado outro
artista hispano: Jorge Drexler, nascido no Uruguai, mas que hoje mora na
Espanha.
Quando criança Roberta recebia os ecos da Jovem Guarda e
ouvia clássicos dos Beatles, eram essas as influências dos pais. Ainda não
pensava em seguir a carreira artística. Estudou jornalismo, caiu no programa
Fama, da Rede Globo, não cedeu ao estilo americanizado imposto pelo reality,
mas encontrou lá outro parceiro, Felipe Abreu, que se tornou seu preparador
vocal.
Um ano mais tarde, em 2003, gravou um CD demo com cinco
faixas. Aquilo chegou às mãos do autor de novelas Gilberto Braga e ele, assim,
gravou um clássico de Dorival Caymmi para a trilha da novela “Celebridade”.
“Meu primeiro disco realmente aconteceu por acaso.
Fiz essa demo e a coisa foi acontecendo.”
Oito anos depois ela conta com uma equipe para “realizar os desejos e também
ajudar a colocar os pés no chão.”
Desde esse princípio, no entanto, parecia claro que a
escolha era pelo samba. Roberta Sá cantava e desenhava nos palcos passos
curtos, de uma dança quase retraída, se é que se pode ser assim. Mas era.
Experimentada e tendo estudado balé desde a infância na companhia Corpo Vivo,
ainda na capital potiguar, ela sabia o que apresentar. Muito distante daquele
palco que se movimentava e era cercado por gruas pendurando câmeras de
televisão, na sua primeira aparição para o país, ela desvendou os mistérios.
“Estou cada vez mais à vontade no palco. Tenho dias mais
introspectivos e outros em que danço mais. O tipo de relação que criei com meu
público me permite isso, que seja mais natural e expresse o que sinto”, garante
e lembra o padrinho musical, Ney Matogrosso. “Ele diz: ‘você não precisa se
mexer muito, sua história é com a voz’. E ele tem muita razão, minha história
no palco é com o canto.”
A julgar pelos dois últimos trabalhos, vê-se que a relação
de Roberta não era só com o samba, apesar de ela sugestionar em breve fazer um
disco só com sambas. Atualmente está em turnê com “Segunda pele”, álbum que tem
muito de transformação, de mudança de pele, ritmos variados e é um disco mais
íntimo. “É um disco que fiz mais livre. As músicas falam de um olhar mais
feminino, de uma mulher urbana, mas que é amorosa. Poeticamente o foco é na
alma feminina”, explica.
Antes disso foi lançado “Quando o canto é reza”, em parceria
com o Trio Madeira Brasil. “Se eu fosse gravar, seria uma coisa. Se o trio
fizesse, seria outra. A gente bateu muita cabeça até encontrar uma sonoridade nossa
e eu fiquei muito impressionada com o poder da música brasileira crua, de raiz,
do violão de sete cordas, do repertório brejeiro do Roque Ferreira. O disco foi
um sucesso comercial sem que a gente fizesse televisão”, comemora e revela sua
inspiração: “Busquei minhas imagens de infância, da praia de Muriú, de
Ceará-Mirim, no meu Rio Grande do Norte.”
Aliás, uma das grandes vantagens de Roberta é ser muitas,
diversificar o repertório, de ser “potioca”, como certa vez descreveu Tony
Garrido, meio potiguar, meio carioca. “O meu povo do Nordeste sabe receber
muito bem e algumas coisas ficam na nossa alma. Eu guardo tudo isso e sou
resultado de uma mistura muito grande”.
Texto: Cristiano Félix
Fotos: Murilo Meirelles/ Cedidas
* Reportagem publicada originalmente na revista LivingFor.