"As atuais evidências relativas às causas da esquizofrenia são um
mosaico: a única coisa clara é a constituição multifatorial da esquizofrenia. É
provavelmente um grupo de doenças relacionadas, algumas causadas por um fator,
outras, por outros fatores", descreve a neurocientista e neuropsiquiatra
Nancy Andreasen Coover em um dos seus vários estudos acadêmicos. Transportando o
termo para a o universo artístico, o cantor Edson Cordeiro encontra em si
muitas semelhanças. Ele também é uma obra composta de pequenos fragmentos. E
essa construção sofre interferência constante da luz dos palcos e da solar – e
também da falta dela.
Desde 1994 foram várias ida e
vindas. Edson Cordeiro, 44, já era um artista consagrado no Brasil quando
começou a excursionar pela Europa. Como os trajetos, passaram-se alguns anos
até que decidisse de vez que deveria partir para outro desafio e fixar
residência na Alemanha, onde, morando há cinco anos, gravou dois álbuns de
música clássica e vem sendo considerado pela crítica como “a oitava maravilha
do mundo.” Por aqui ele também não precisa exercitar a modéstia quando se trata
de qualidade musical. Já no seu primeiro disco, gravando uma miscelânea que
inclui Nina Hagen, Janis Joplin e Mozart, conseguiu passar da marca de cem mil
copias.
“Não
senti falta de espaço no meu país. Aqui eu sou a prova de que boa música também
vende. Na era da internet e da pirataria, consegui marcas de vendagem
importantes. Então, eu não fui exilado. Eu não teria ido à Europa se o Brasil
não tivesse dito sim pra mim antes. A Alemanha disse sim depois. Fico muito
feliz por isso e tenho orgulho de dizer que meu país sempre me reconheceu,
desde quando eu cantava na rua”, diz, relembrando a época em que se apresentava
pelas avenidas do Centro de São Paulo por aplausos e trocados e, agora,
comemorando ter constituído duas equipe, uma em cada país. “Quero fazer tudo
que gosto sem ter de abandonar meu público. Atualmente eu tenho um bom agente
aqui. Vai ficar mais fácil vir outras vezes ao Brasil.”
Ter
duas bandas também permite ao cantor se entregar sem cerimônia a estilos
completamente diferentes. Aliás, quem tem mais de 25 anos certamente já viu que
ele é capaz de tudo: cantar disco music, fazer releituras de clássicos da MPB e
até transformar em marchinha carnavalesca o maior hino gay: I Will survive.
“Não tenho um gênero preferido. O que gosto é de ser livre, apesar de pagar um
preço alto por isso. Mas eu quero o ônus e o bônus mesmo. E sei que tenho sendo
essa esquizofrenia toda. Alguém pode até dizer que de outra maneira seria
melhor, mas é assim que eu sou e só assim que sei ser”, dispara.
"Não fui exilado. Eu não teria ido à Europa se o Brasil não tivesse dito sim pra mim antes. A Alemanha disse sim depois. Fico muito feliz por isso e tenho orgulho de dizer que meu país sempre me reconheceu, desde quando eu cantava na rua”
Edson Cordeiro, cantor.
Nas últimas apresentações feitas
por esses lados, Edson Cordeiro homenageou grandes vozes femininas, entre elas
Billie Holiday, Edith Piaf e Elis Regina. Os arranjos foram feitos a quatro
mãos, em parceria com o pianista clássico Antônio Vaz Lemes, e são um resgate: uma
espécie de comemoração pelos 25 anos de carreira. “Não estou mostrando nada
inédito. Como faz muito tempo que eu não vinha ao Brasil, esse reencontro é
como um de família. A gente quer contar o que fez, o que está fazendo, sem
maiores preocupações com renovação. É pra matar a saudade.” Foi no dia de uma
dessa apresentações, no Teatro Riachuelo, em Natal, que o cantor abriu espaço
para Living acompanhar um dos ensaios.
No
meio da passagem de som ele se mostrou, por repetidas vezes, preocupado com o
ar condicionado e a possibilidade de o frio fazê-lo perder a voz. Parou em três
momentos e pediu para regularem a temperatura. Para enfrentar o rigoroso
inverno europeu, Edson se resguarda com muitas camadas de roupa. “Do frio a
gente se protege com um monte de coisa que existe para colocar por cima. O que
eu estranho no frio é a escuridão. Eu sou uma figura solar. Quero e consigo
passar nos shows o meu estado de espírito, minhas depressões e minhas alegrias.
A música serve pra isso e eu respeito o que canto”, disse, destacando como
sorte o fato de a última temporada ter incluído mais cidades da região
Nordeste.
Embora
tenha passado metade da última década afastado dos palcos brasileiro, é aqui
que ele convive mais diretamente com o assédio. “Na minha carreira
internacional eu descobri que não tenho de aguentar uma superexposição para
poder trabalhar. Na Alemanha eu posso até andar de metrô sem ser abordado, mas
quando vou ao teatro está tudo lotado. No Brasil quem não está na televisão é
como se não existisse. Eu adoro o assédio dos fãs e da imprensa, mas não quero
ser refém. Eu não sou ator de novela. Meu trabalho tem de ir além da televisão.
Adoro o veículo em si e sei fazer muito bem, embora ache que as vezes essa roda
vida é muito cruel. Bom, mas se é esse aval que as pessoas precisam, estarei
lá.”
Um dos encontros mais marcantes
da carreira de Edson Cordeiro aconteceu com Cássia Eller. Enquanto ele fazia a
voz feminina na ópera Flauta Mágica, de Mozart, ela atacava de Satisfaction,
dos Rolling Stones. “A voz dele vai de soprano ligeiro a Barítono sem qualquer
problema (...) um susto no público e na crítica”,
foi dito no programa Fantástico, da Rede Globo, quando o clip oficial foi mostrado pela
primeira vez em cadeia nacional.
Fotos: Ney Douglas
*Matéria publicada na primeira edição da revista LivingFor, com o título: Esquizofrenia ambulante.
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