quarta-feira, 3 de julho de 2013

Bem aventurada esquizofrenia


"As atuais evidências relativas às causas da esquizofrenia são um mosaico: a única coisa clara é a constituição multifatorial da esquizofrenia. É provavelmente um grupo de doenças relacionadas, algumas causadas por um fator, outras, por outros fatores", descreve a neurocientista e neuropsiquiatra Nancy Andreasen Coover em um dos seus vários estudos acadêmicos. Transportando o termo para a o universo artístico, o cantor Edson Cordeiro encontra em si muitas semelhanças. Ele também é uma obra composta de pequenos fragmentos. E essa construção sofre interferência constante da luz dos palcos e da solar – e também da falta dela.


Desde 1994 foram várias ida e vindas. Edson Cordeiro, 44, já era um artista consagrado no Brasil quando começou a excursionar pela Europa. Como os trajetos, passaram-se alguns anos até que decidisse de vez que deveria partir para outro desafio e fixar residência na Alemanha, onde, morando há cinco anos, gravou dois álbuns de música clássica e vem sendo considerado pela crítica como “a oitava maravilha do mundo.” Por aqui ele também não precisa exercitar a modéstia quando se trata de qualidade musical. Já no seu primeiro disco, gravando uma miscelânea que inclui Nina Hagen, Janis Joplin e Mozart, conseguiu passar da marca de cem mil copias.
“Não senti falta de espaço no meu país. Aqui eu sou a prova de que boa música também vende. Na era da internet e da pirataria, consegui marcas de vendagem importantes. Então, eu não fui exilado. Eu não teria ido à Europa se o Brasil não tivesse dito sim pra mim antes. A Alemanha disse sim depois. Fico muito feliz por isso e tenho orgulho de dizer que meu país sempre me reconheceu, desde quando eu cantava na rua”, diz, relembrando a época em que se apresentava pelas avenidas do Centro de São Paulo por aplausos e trocados e, agora, comemorando ter constituído duas equipe, uma em cada país. “Quero fazer tudo que gosto sem ter de abandonar meu público. Atualmente eu tenho um bom agente aqui. Vai ficar mais fácil vir outras vezes ao Brasil.”
Ter duas bandas também permite ao cantor se entregar sem cerimônia a estilos completamente diferentes. Aliás, quem tem mais de 25 anos certamente já viu que ele é capaz de tudo: cantar disco music, fazer releituras de clássicos da MPB e até transformar em marchinha carnavalesca o maior hino gay: I Will survive. “Não tenho um gênero preferido. O que gosto é de ser livre, apesar de pagar um preço alto por isso. Mas eu quero o ônus e o bônus mesmo. E sei que tenho sendo essa esquizofrenia toda. Alguém pode até dizer que de outra maneira seria melhor, mas é assim que eu sou e só assim que sei ser”, dispara.


"Não fui exilado. Eu não teria ido à Europa se o Brasil não tivesse dito sim pra mim antes. A Alemanha disse sim depois. Fico muito feliz por isso e tenho orgulho de dizer que meu país sempre me reconheceu, desde quando eu cantava na rua”
Edson Cordeiro, cantor.

Nas últimas apresentações feitas por esses lados, Edson Cordeiro homenageou grandes vozes femininas, entre elas Billie Holiday, Edith Piaf e Elis Regina. Os arranjos foram feitos a quatro mãos, em parceria com o pianista clássico Antônio Vaz Lemes, e são um resgate: uma espécie de comemoração pelos 25 anos de carreira. “Não estou mostrando nada inédito. Como faz muito tempo que eu não vinha ao Brasil, esse reencontro é como um de família. A gente quer contar o que fez, o que está fazendo, sem maiores preocupações com renovação. É pra matar a saudade.” Foi no dia de uma dessa apresentações, no Teatro Riachuelo, em Natal, que o cantor abriu espaço para Living acompanhar um dos ensaios.
No meio da passagem de som ele se mostrou, por repetidas vezes, preocupado com o ar condicionado e a possibilidade de o frio fazê-lo perder a voz. Parou em três momentos e pediu para regularem a temperatura. Para enfrentar o rigoroso inverno europeu, Edson se resguarda com muitas camadas de roupa. “Do frio a gente se protege com um monte de coisa que existe para colocar por cima. O que eu estranho no frio é a escuridão. Eu sou uma figura solar. Quero e consigo passar nos shows o meu estado de espírito, minhas depressões e minhas alegrias. A música serve pra isso e eu respeito o que canto”, disse, destacando como sorte o fato de a última temporada ter incluído mais cidades da região Nordeste.
Embora tenha passado metade da última década afastado dos palcos brasileiro, é aqui que ele convive mais diretamente com o assédio. “Na minha carreira internacional eu descobri que não tenho de aguentar uma superexposição para poder trabalhar. Na Alemanha eu posso até andar de metrô sem ser abordado, mas quando vou ao teatro está tudo lotado. No Brasil quem não está na televisão é como se não existisse. Eu adoro o assédio dos fãs e da imprensa, mas não quero ser refém. Eu não sou ator de novela. Meu trabalho tem de ir além da televisão. Adoro o veículo em si e sei fazer muito bem, embora ache que as vezes essa roda vida é muito cruel. Bom, mas se é esse aval que as pessoas precisam, estarei lá.”


Um dos encontros mais marcantes da carreira de Edson Cordeiro aconteceu com Cássia Eller. Enquanto ele fazia a voz feminina na ópera Flauta Mágica, de Mozart, ela atacava de Satisfaction, dos Rolling Stones. “A voz dele vai de soprano ligeiro a Barítono sem qualquer problema (...) um susto no público e na crítica”, foi dito no programa Fantástico, da Rede Globo, quando o clip oficial foi mostrado pela primeira vez em cadeia nacional.

Fotos: Ney Douglas
*Matéria publicada na primeira edição da revista LivingFor, com o título: Esquizofrenia ambulante.

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