Sheron Menezzes é testemunha de que a boa prática da atuação exige do profissional lições básicas de
empreendedorismo. Na rotina de quem dá vida a personagens a inspiração é a
menor parcela. Quase todo o processo é de transpiração, muito trabalho. E é
preciso saber também que qualquer história, por mais desenhada que pareça, pode
ser contada de várias maneiras. Longe dos holofotes ela faz sua parte: ajuda
crianças carentes, a maioria negras, a se livrar do estereótipo abjeto. Mostra
que a imagem preconcebida não é uma mentira, mas não passa de um desenho
incompleto.
Foi a matriarca da família
Menezes, a professora Veralinda, quem criou a personagem Princesa Violeta,
inspirada em Sheron. É com ela que mãe e filha trabalham juntas um projeto de
responsabilidade social, aplicado em escolas da rede pública. A iniciativa visa
a inclusão de meninas em idade escolar através do incentivo a leitura.
“Quando
a gente vê essas jovens, quase todas negras e de família pobre, nota logo que
elas não imaginam que poderiam ser princesas de verdade. Realmente as meninas
não tem como ser a Cinderela ou a Branca de Neve, mas elas podem ser a Princesa
Violeta. Existe uma identificação com o universo delas. Nunca tive nenhum
problema com preconceito porque eu me aceito e me amo e isso exala. Acho que a
auto-estima tem de ser trabalhada desde cedo pra que elas cresçam se sentido
bem, sem querer alisar o cabelo ou se pintar com maquiagem pra tentar ficar com
a pele mais clara. Infelizmente ainda existe muito disso”, comenta.
Esse
mesmo pensamento tem a escritora Chimamanda Adichie. Palestrando mundo afora,
essa africana fala sobre o que chama de “o perigo da história única.” Conta que
foi uma leitora precoce e começou a escrever muito cedo também, aos sete anos.
Suas personagens eram invariavelmente loiras, de olhos azuis, comiam maçãs e
ficavam felizes quando fazia sol. Tudo eram apenas uma reprodução da literatura
que ela consumia, não importando que ao seu redor as crianças chupassem magas e
todos os dias fizesse bom tempo. Naquela iniciação, era como se os africanos
não tivessem espaço nos livros.
Só
quando conheceu os escritores do seu país e pôde frequentar una universidade
nos Estados Unidos, se apercebeu de novas versões, analisando o quão somos
vulneráveis face a uma história. No outro continente ela se deparou com novos olhares
estreitos, como o de uma aluna da mesma sala que ficou espantada com o domínio
de Adichie falando em inglês, sem saber que esse é o idioma oficial da Nigéria,
onde ela nasceu. O retrato da sua pátria que é passado por muitas mídias, ela
reconhece, é de belos animais e pessoas morrendo de fome e em decorrência da
AIDS. Mas, ao mesmo tempo, a escritora defende: existe além. Abreviando o
discurso, sem tanto prejuízo para a verdade, se conclui que uma história única
rouba a dignidade das pessoas. E a mesma história que destrói, também pode
reparar a dignidade perdida.
Sheron
também não negligencia. Dona de muita energia, distribui sua força em mais de
uma dezena de projetos sociais, não apenas com crianças, mas com animais. Nos
últimos tempos resgatou quatro das ruas. Um deles mora com a mãe e os outros
dividem espaço com a atriz no seu apartamento no Rio. Os bichos ganharam nomes
divertidos, verdadeiros chistes. Tripé é um gato de três patas e os dois cães
homenageiam Frida Kahlo e Fidel Castro. Batata Frida e Fidel Castrado contribuem
com a veia mais atuante de Sheron: cuidar dos animais. “Minha preocupação com o
outro é natural. Mas antes de abraçar uma causa, tomo meus cuidados. É
importante saber se uma entidade é crível. Afinal, ela só consegue se projetar
e ampliar o trabalho se as pessoas conhecem, acreditam e ajudam”, destaca.
Rotina
Rotina
Parece não ter
onde caber, mas Sheron Menezzes ainda encontra disposição para outras
atividades. Corre, pratica ioga, kickbox (sim, ela já se machucou. Torceu o pé
pouco antes do carnaval deste ano e mesmo assim desfilou) e ainda se divide
entre palcos, televisão e o que mais pintar. Atualmente está em cartaz com a
peça Açaí e Dedos e ainda conciliou teatro com a novela “Aquele Beijo”, de Miguel Falabella. A morena viveu Grace Kelly, uma jovem que foi abandonada pela mãe e cresceu num
orfanato. Foi o primeiro papel de vilã da carreira. “Ela acha que já sofreu
muito e merece vencer na vida. Não tem escrúpulos e acredita que está certa em
ter tanta ambição. É um desafio”, diz.
Sheron é de fases. Fã de Billie
Holiday, está apaixonada por Nina
Simone. “Eu sou do blues e do jazz, mas a gente tem vários momentos na vida e
de vez em quando ouço outras coisas”, revela. O que não tem jeito de mudar é a
maneira de se vestir. Ela acredita que estilo é ter autenticidade. O cabelo
crespo e o tom da pele são destaque. E, com eles em evidência, realmente dá pra
compor um visual com pouco. “Ninguém acredita que eu sou básica, mas acho que
sou assim porque minha herança genética tem uma exuberância natural. Qualquer
coisa que ponho a mais pode parecer excesso. Como trabalho com imagem, procuro
estar atenta a toas as tendências, mas não sigo moda. Eu sei o que está na moda
e incorporo uma ou outra peça. Me
incomoda ver todo mundo igual.”
Cá
entre nós, básica como for, essa princesa merece o trono.
*Matéria publicada na primeira edição da LivingFor.
Fotos: Giovanna Hackradt.