segunda-feira, 4 de agosto de 2008

A minha área verde (ou sobre a felicidade)

Para minha mãe
É um prédio todo azul. Com tons claros e mais escuros. Todo azul. Eu passo diariamente e fico olhando. Não é pela imponência da arquitetura, nem pela parede de vidro que deve revelar uma bela paisagem – já que é um dos pontos mais altos da cidade. Ao lado da principal sacada há um jardim. E cada andar guarda uma surpresa paisagística. Plantas exóticas, todas altas. Eu, debaixo, consigo ver.
Era criança quando minha mãe falou pela primeira vez que eu tinha uma séria atração pelo inacessível. Mais tarde eu morava na Espanha e ela me mandou um cd que na faixa 14 tinha uma música que ficaria bem melhor na sua voz. “Mesmo quando ele consegue o que ele quis, quando tem já não quer. Acha alguma coisa nova na TV, o que não pode ter, e deixa de gostar, larga mão do que ele já tem. Passa então a amar tudo aquilo que não ganhou”.
Naquela época, longe dos olhos dela, eu não tinha muita coisa palpável. Só um som portátil, duas malas com roupas, uma máquina fotográfica, um computador, um celular pré-pago, mais umas tranqueiras e um quitinete alugado. E tudo isso tinha muito valor. No meu quarto, por exemplo, as paredes eram cheias de fotografias dos mais chegados e bilhetes dos poucos que fui conhecendo nas aulas, nas ruas, nos cafés. Os bens físicos protegiam meus tesouros emocionais.
Escrevendo por ofício ou prazer, sinto nostalgia. Parece uma compulsão, como se fosse proteger a vida de alguém. A minha talvez. E naqueles tempos eu exercitava a palavra em dois idiomas. E ganhava responsabilidade, senso prático e um pouco dinheiro nuns trabalhos temporários. Só não consegui ter apego as coisas materiais. Saí de lá deixando as peças de frio e os discos de mpb.
Em momentos é preciso escolher. Normalmente minha inclinação é tomar decisões quando a saudade açoita. Eu me sentia uma pedra remota, um corpo fugitivo. No último sopro de estrelas ganhei uma festa de despedidas, numa boate que eu gostava, mas não freqüentava muito.
Por aqui, passei uns dias na casa da minha família. Há jardins, umas plantas bonitas, de idade avançada e que seguiam crescendo. Estranho era ver que uma ala nova de quartos ocupava o nascedouro de um xique-xique que atingiu mais de dez metros de altura e anunciava as chuvas. Era o orgulho do meu pai.
Quando tinham passado três meses dali fui para meu primeiro apartamento. Sem varanda. Comprei uma ráfia para a sala e uns mini cactos para o banheiro. Não tinham espinhos. O cachepô não combinava muito com a decoração rústica. Era de vidro, grande como um aquário de sala de espera de dentista. A diarista colocava água duas vezes por semana e eu batia papo. Fiz tudo certo, mas ela não. E a planta morreu por excesso de cuidado, com o caule todo úmido, quase podre.
Teve também uma vez que levei pra lá dois vasos e larguei na janela pra pegar uma brisa. Os ventos de agosto derrubaram um que atravessou a janela do quinto andar e quase cai sobre a mala do carro novo do vizinho.
O cinza das ruas não me parece ter um ar muito simpático. Até finda o ar quando estou ao redor de muito concreto. Das reminiscências da minha infância eu trago o apego pelo verde. E quero ter vida em todos os cantos pra minimizar a dor dos azulejos, dos objetos marcados por farsas.
Para um apartamento novo, um novo projeto, foram adquiridas muitas plantas. No corredor, ao lado da mesa de jantar, da televisão, nos banheiros todos. Em tudo quanto é lugar tem. Na entrada, uma árvore da felicidade. Claro que é prudente regar, mas dizem que ela cresce por influência das energias boas. A minha passou um tempo bem bonita até que começou a definhar. Agora, apanho umas folhas secas do chão quase que diariamente. Por isso hoje resolvi tirar da entrada. No corredor não consigo controlar quem chega ou sai.
Deve ser um olhar de admiração que lanço pelas manhãs quando passo por aquele prédio e o mundo só parece ter sentido na vertical.

2 comentários:

Mme. S. disse...

Pergunta: será que ela (sua mãe, minha "tia" Nise) já viu esse post, imprimiu e mostrou para todas as amigas? se não, vou avisar o quanto antes. cheiro, vc some, né?

Luis Fabiano Teixeira disse...

Eu adorei esta cr�nica. Eu n�o s� gosto de plantas, como devo ter herdado isso da minha m�e. Ela cultiva algumas em casa e est�o sempre muito bonitas. H� pouco tempo, passei pela Haddock Lobo, sentido centro, e um pr�dio bem antigo, repleto de plantas em todas as varandas, me chamou bastante aten�o. Tamb�m parei, admirei e segui. Pensei comigo: Elas tamb�m querem se mostrar, resistir". Bem, assisti �quela entrevista no J� tamb�m e achei bem interessante, mas depois nem fui conferir os "achados" daquela guria. Bacana tamb�m vc facilitar as coisas rs � isso. Abra�o!