domingo, 8 de junho de 2008

Passando um filme

Não deveriam estar juntos. Dentro do cinema, clima romântico, pouca luz, e ele havia acabado de indagar sem palavras o porquê daquele roçado mais forte de pernas. Depois de pouco mais de duas semanas de encontros, percebeu que eles não precisavam ser clandestinos apenas pra si, que tinha um relacionamento paralelo, mas também para Mauro, que se mostrava muito inexperiente, muito amedrontado com pré-julgamentos.
Ele nunca foi um grande fingidor. Havia cometido deslizes. Poucos. Falava mais do que era realmente capaz de fazer. Sentiu-se atraído por outras pessoas por um par de vezes e nelas duas percebeu o mesmo movimento pendular e pulou fora. Era visceral, apenas carne, sexo, excreções. Desejos saciados em poucos minutos gastos em qualquer bueiro pago por hora.
O grande equívoco foi enxergar em Mauro a seta que apontava para a saída de um ostracismo que era involuntário e penoso como um cárcere. Assim o via. Assim queria que ele fosse. O projeto de uma fuga perfeita. Naquele reflexo se inspirou, tocou e sentiu frio. Mesmo assim se apaixonou. Talvez nem fosse pela pessoa, mas pela possibilidade.
Sem controle, tomou cafés, embriagou-se e perdeu o sono por noites seguidas, o que só tornava os dias mais longos, o próximo momento mais distante. Para abreviar sua condição de expectante, tomou a iniciativa de convidar para um almoço. Era íntimo e mostrava a vida muito mais desenhada. Fácil de ser compreendida. Pra que ele se decidisse se era aquilo ou não. E foi.
Não precisava mais pedir permissão. Por isso planejou o day after. O re-encontro esperado com ansiedade. Saíram juntos, dividiram outra refeição, molharam os pés na água, depois o corpo inteiro. Trocaram carinhos e beijos quando o sol já se punha por detrás do vidro que guardava o ar refrigerado e os cheiros. Mesmo protegido por aquele espaço, ele não estava livre para ir tão longe. Não sem se sentir um canalha.
Ser infiel àquela altura era mais grave. Ultrapassava uma questão de estar nos frêmitos roxos de outra carne, cheio de desejo e frivolidades. Passava a cumular outras manutenções. Foi assim que começou a transferir seu carinho.
Pela influência, parecia voltar a ser um adolescente. Acreditando em amor plural, na distribuição logisticamente perfeita do afeto que poderia explicar a entrega impensada a um sentimento agora dividido.
Passava da hora e com a mesma disponibilidade juvenil esqueceu de que era preciso cessar e aceitou o convite par o cinema. Não era pelo filme que poderia lhe arrancar uma risada corriqueira e despertar desejo no outro. Nem por ultrapassar o limite prudencial por causa desse arroubo. Era apenas para estar ao lado. E foi.
Chegaram e apressadamente sentaram-se lado a lado. A película com mulheres frenéticas e comportamentos dissociados em um mesmo grupo, e frases de efeito que deixavam claro não existir qualquer resquício de pudor, em alguns momentos não lhe incomodou. Era capaz de uma nova adaptação, não fosse o episódio no centro da história.
Lá pelo meio do filme, mais uma vez, era carinho aquele gesto de passar a perna na dele com um pouco mais de força. Mauro podia não ter ninguém a quem dar explicações diretamente, mas precisa esconder até a si mesmo do resto do mundo. E, definitivamente, sua companhia não era de assistir a um filme de braços cruzados. Nessa posição eles só servem para amarrotar a roupa.

3 comentários:

Mme. S. disse...

Texto bem narrado, boy! Adorei. um cheiro e boa semana também.

Anônimo disse...

Texto revelador, diria que um retrato fiel dos conturbados sentimentos/pensamentos humanos.
Abraços!

Lucas disse...

Lindo texto, foi vc que escreveu?