Feita de ciclos, a moda recomeça nos anos 2000: voltamos a estaca
zero, pelo menos no Brasil. Mas não se trata de uma involução, senão de um
salto promissor para o mercado internacional. Foi na virada da década que o
país passou a ser inserido no calendário global, impulsionado pela carreira
meteórica da übermodel Gisele Bündchen, considerada nesse ano a modelo mais
bonita do mundo pela revista Rolling Stone.
Estilistas já consagrados por essas bandas beberam na fonte da cultura
popular e regional do país e também ajudaram a atrair olhares. Lino
Villaventura, Ronaldo Fraga e André Lima foram alguns dos nomes responsáveis
por passar as impressões e o corte que respeitava o corpo das brasileiras,
evidenciando uma questão fundamental: a identidade.
Fazer essa analogia é impossível sem recorrer o primeiro produto exportado. E
foi a Cia. Marítima que em 2001, no primeiro ano da São Paulo Fashion Week,
fechou uma transação com Gisele, pagando cachê de 30 mil dólares e elevando o
de outras jovens modelos como Isabeli Fontana e Mariana Weickert. Enquanto isso,
o mundo se assombrava com a derrubada de um símbolo da economia americana, o
World Trade Center, e Osama bin Laden passava a ser considerado um dos homens
mais procurados do mundo.
O empresário da marca Benny Rosset colheu os louros desse investimento
na passarela. Vestindo quase nada, ressaltando as curvas, Gisele foi capa da
L’Officiel Paris e saiu na Time, gerando uma mídia espontânea inimaginável. Calcular é possível, mas
atinge proporções de assustar. Basta dizer que no ano seguinte cada contrato com Gisele já girava em torno de R$
1 milhão.
O negócio deu um salto de projeção, mas caiu no limbo do
abstracionismo. Até a metade da década os números do faturamento não
acompanhavam a escala criativa. A moda tinha muito mais inspiração que
transpiração e os negócios precisaram passar por uma guinada. China e Índia já
haviam entrado na briga pelo mercado quando a indústria têxtil passou a ocupar
a sexta posição no ranking mundial, de acordo com dados da Associação Brasileira
da Indústria Têxtil e de Confecção.
Cerca de 1,65 milhão de funcionários de quase 30 mil indústrias
produziam 7,2 bilhões de peças por ano, inclusive as que eram comercializadas em cadeias populares a exemplo da C&A, que passou vestir a
maior modelo de todos os tempos em suas campanhas e criou um fenômeno de
conversão em massa à modernidade. Como contraponto, a Osklen era inaugurada em
Tóquio.
Gisele virou estrela e ditou o rito de passagem de artistas da música,
do cinema e da televisão para o universo da moda, enquanto Beatriz Milhazes e
Vik Muniz, dois grandes artistas plásticos brazucas, eram reconhecidos além
fronteira, não aqui, como prova da desvalorização do santo de casa. Estouraram
os programas de realidade, as celebridades começaram a ser perseguidas por
paparazzi e foram acentuadas as divergências.
Lembro de uma dessa passagens da übermodel por uma pequena cidade
litorânea, nos rincóns do Nordeste: minha cidade Natal. Focada por uma câmera
de televisão, de uma emissora em que eu trabalhava, a moça não apenas se
esquivou de uma entrevista como acarinhou as imagens exclusivas com o estirar
do dedo maior de sua mão direita.
Por fora, um corpo perfeito. Esse estilo de beleza passou a ser
perseguido e nessa caça se realçou outra fase obscura da moda. Distúrbios
psicológicos e alimentares cresceram em outra velocidade galopante. A ditadura
da magreza passou a ser questionada. Mas, por infortúnio, o mesmo não aconteceu
com a busca pela eterna juventude.
O natural e o artificial passaram a conviver. De um lado havia a
preocupação com o sustentável. Do outro, as cirurgias estéticas. Essa roda
dicotômica não parou de girar e hoje, olhando pra trás, apesar do progresso e
da nova ordem, cabe perguntar: ainda somos tão jovens ou pra tudo tem idade?
Texto: Cristiano Félix
Arte: André Soares