segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Moda 00's



Feita de ciclos, a moda recomeça nos anos 2000: voltamos a estaca zero, pelo menos no Brasil. Mas não se trata de uma involução, senão de um salto promissor para o mercado internacional. Foi na virada da década que o país passou a ser inserido no calendário global, impulsionado pela carreira meteórica da übermodel Gisele Bündchen, considerada nesse ano a modelo mais bonita do mundo pela revista Rolling Stone.
Estilistas já consagrados por essas bandas beberam na fonte da cultura popular e regional do país e também ajudaram a atrair olhares. Lino Villaventura, Ronaldo Fraga e André Lima foram alguns dos nomes responsáveis por passar as impressões e o corte que respeitava o corpo das brasileiras, evidenciando uma questão fundamental: a identidade.
Fazer essa analogia é impossível sem recorrer o primeiro produto exportado. E foi a Cia. Marítima que em 2001, no primeiro ano da São Paulo Fashion Week, fechou uma transação com Gisele, pagando cachê de 30 mil dólares e elevando o de outras jovens modelos como Isabeli Fontana e Mariana Weickert. Enquanto isso, o mundo se assombrava com a derrubada de um símbolo da economia americana, o World Trade Center, e Osama bin Laden passava a ser considerado um dos homens mais procurados do mundo.
O empresário da marca Benny Rosset colheu os louros desse investimento na passarela. Vestindo quase nada, ressaltando as curvas, Gisele foi capa da L’Officiel Paris e saiu na Time, gerando uma mídia espontânea inimaginável. Calcular é possível, mas atinge proporções de assustar. Basta dizer que no ano seguinte cada  contrato com Gisele já girava em torno de R$ 1 milhão.
O negócio deu um salto de projeção, mas caiu no limbo do abstracionismo. Até a metade da década os números do faturamento não acompanhavam a escala criativa. A moda tinha muito mais inspiração que transpiração e os negócios precisaram passar por uma guinada. China e Índia já haviam entrado na briga pelo mercado quando a indústria têxtil passou a ocupar a sexta posição no ranking mundial, de acordo com dados da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção.
Cerca de 1,65 milhão de funcionários de quase 30 mil indústrias produziam 7,2 bilhões de peças por ano, inclusive as que eram comercializadas em cadeias populares a exemplo da C&A, que passou vestir a maior modelo de todos os tempos em suas campanhas e criou um fenômeno de conversão em massa à modernidade. Como contraponto, a Osklen era inaugurada em Tóquio.
Gisele virou estrela e ditou o rito de passagem de artistas da música, do cinema e da televisão para o universo da moda, enquanto Beatriz Milhazes e Vik Muniz, dois grandes artistas plásticos brazucas, eram reconhecidos além fronteira, não aqui, como prova da desvalorização do santo de casa. Estouraram os programas de realidade, as celebridades começaram a ser perseguidas por paparazzi e foram acentuadas as divergências.
Lembro de uma dessa passagens da übermodel por uma pequena cidade litorânea, nos rincóns do Nordeste: minha cidade Natal. Focada por uma câmera de televisão, de uma emissora em que eu trabalhava, a moça não apenas se esquivou de uma entrevista como acarinhou as imagens exclusivas com o estirar do dedo maior de sua mão direita.
Por fora, um corpo perfeito. Esse estilo de beleza passou a ser perseguido e nessa caça se realçou outra fase obscura da moda. Distúrbios psicológicos e alimentares cresceram em outra velocidade galopante. A ditadura da magreza passou a ser questionada. Mas, por infortúnio, o mesmo não aconteceu com a busca pela eterna juventude.
O natural e o artificial passaram a conviver. De um lado havia a preocupação com o sustentável. Do outro, as cirurgias estéticas. Essa roda dicotômica não parou de girar e hoje, olhando pra trás, apesar do progresso e da nova ordem, cabe perguntar: ainda somos tão jovens ou pra tudo tem idade?

Texto: Cristiano Félix
Arte: André Soares

Moda 90's




Onde quer que procure sobre a moda atual, você há de ler: “os anos 90 estão de volta!”.
O que tanto se repete sobre a tendência, mas poucos parecem entender, é que o que o novo clichê da temporada significa, pouco tem a ver com jeans rasgados, flanela xadrez ou cabelos ensebados. Ou melhor, tem tudo a ver: mas não do jeito que se imagina.
No mundo da moda é claro que o que dita às regras são as vendas. Mas foram e são exatamente sobre elas que recai o que chamamos de moda (ou seria a antimoda?) ‘grunge’.
Para entender o frisson estético da década rebelde (digo estético, pois não se limitou às roupas - música, cinema e outros ícones comportamentais encontraram-se todos dentro dessa camisa de flanela) é necessário, portanto, voltar a história econômica dos EUA e mundial.
O fim dos anos 1980 trouxeram consigo um hiato melancólico para a geração que viveria entre o fim das guerras, a recuperação de uma economia abalada e o medo que viria no pós 11 de setembro de 2001. Àquela juventude sem esperanças, ironicamente, seria concedido o direito de (voltar) a sonhar. E viver, para além de uma cultura com os olhos voltados para a bolsa de valores.
Grunge significa, sobretudo, sujo. A estética dessa moda marginal assumiu para si um protesto ‘anti-tudo’. Mais especificamente, ante todo o establishment e brilho dos anos 80: ao contrário das gravatas e dos cabelos engomados do jovem yuppie - young urban professional -, o ‘new look’ cresceria de uma economia ainda em recuperação.  Esse jovem que, com a falta de empregos resultante da década anterior, teria tempo de sobra para deixar o cabelo e a barba crescerem e faria dessa desesperança um universo contracultural dos mais interessantes. E que embora rico culturalmente, era bastante pobre financeiramente.
E daí, qual solução as vendas e a moda encontraria para vestir essa gente?
Roupas de brechó eram baratas e atemporais (além de remeterem aos clássicos, fossem beats, fossem cowboys, fosse o Elvis Presley). O minimalismo cumpria uma questão funcional e os jeans, esses já estavam rasgados de velhos. Os cabelos, sujos e longos, eram sinal de protesto e segundo alguns, de preguiça - assim justificavam a falta de banho do Kurt Cobain. Mas não seria a preguiça uma prima irmã da melancolia e ao mesmo tempo uma atitude ‘anti-atitude’? Uma negação à disposição de produzir, tal qual exige o sistema capitalista?
Então, a cultura que não produzia estava repleta de muitas siglas ‘anti’. Eram anti-heróis como River Phoenix que se tornariam símbolo de rebeldia, tal qual James Dean (sim, essa mesma moda que hoje revisita os 1990 para expressar uma economia mundial em crise já havia visitado os anos 1950 do pós-guerra para lamentar uma juventude ‘perdida’ – consta que entre 1990 e 95 os EUA tiveram seu pior crescimento econômico desde o pós-guerra).
Foi assim também, pelas mãos de um jovem iniciante desinteressado em produzir que a antimoda tomou as passarelas de alta costura. Alguém que faria daquela piada não consumível algo consumado: Marc Jacobs. Sim, o mesmo estilista que recentemente decidiu falar de bruxas-grunge ao invés de princesas, após o casamento de Kate Middleton. Na mesma Inglaterra ‘pós-riots' juvenis.
Portanto, da próxima vez que você ler por aí que “os anos 90 estão de volta” tente por um segundo se esquecer daquele par de jeans rasgados e lembrar de um mundo e de um sistema que começa a tentar se reerguer após uma grande crise econômica. Que parece começar a perder o medo dos ataques terroristas - as tais novas guerras do século XXI - e tente, quem sabe, sonhar.
Tente. Ainda que seja sem esperança, de um jeito um tanto quanto melancólico e perdido. Mas que te permita pensar sobre um novo modelo de sociedade, sobre uma nova juventude, e novos ícones para essa cultura. Eu já escolhi meu novo James Dean. E você, vai sonhar com a nova princesa da Inglaterra?



Texto: Thiago Pethit
Edição: Cristiano Félix
Foto: Giovanna Hackradt
Arte: André Soares