Uma régua
descansada sobre a mesa de trabalho, uma trena usada para medir novas cortinas.
Fotos amareladas, com toda a família espremida nos cantos, querendo estar
naquele registro. O mar na minha janela. Todas as formas hoje se resumiram a
uma e vejo tudo horizontal, com a lente de aumento da contemplação que só a
distância oferece.
Os
dígitos pares são os meus preferidos, das divisões iguais e do sentido de
compartilhar sem qualquer vantagem. Por isso mesmo um número ímpar de anos
nunca me apetece comemorar, mas ainda esses aniversários são como uma espécie
de marco regulatório, um ponto para pensar, uma sombra para sentir coisas que a
memória vai gastando pelo caminho.
Depois da
última semana de muito trabalho e noites incompletas, uma epifania: hoje é o dia
de lembrar de uma década, do tempo em que deixei a casa dos meus pais e a mesa
sempre posta. Um grito de independência, como todo, de isolamento. A busca de
um espaço importante para ouvir silêncios e fazer novas leituras.
Sou, de
três, o filho do meio dos meus pais, o que ouve Bach e rói as unhas, como
costumeiramente repito. Mas que agora não vê mais motivo para assanhar os
cabelos, já que as unhas estão sempre roídas.
Crescemos
sob as mesmas influências. Tenho a impressão de que poucas individualidades foram
percebidas nos tempos de criança. Fomos preparados para fazer as mesmas
escolhas e ter o mesmo fim, o que poderia ser melhor do que é, mas apenas não
foi. Ao invés do excesso, minha inclinação acontece invariavelmente pela
ausência.
Pouco
conversamos sobre nossas diferenças. Éramos adaptáveis e nos faltava
comunicação, por assim dizer. Havia uma mulher extremamente dominadora, fazendo
escolhas e tomando decisões, e um pai que nada tinha de herói.
Pode ser
duro, mas eu nunca quis ser igual a ele. Bastava que tivéssemos
semelhanças físicas. E ele ter me dado o próprio nome, fazendo de mim um ser
composto. Virei Cristiano Félix como qualquer José Inácio e João Antônio, sem
nunca ter ganas de usar um sobrenome. Não pensei no mesmo formato de
família, sequer na mesma profissão. Por outro lado, acho que já fiz todas as
outras conjecturas e, para mim, escolher o ofício do pai, aceitando os riscos
de repetir e da comparação inevitável, é um ato de extrema admiração. Isso não
existia.
Faz
quatro anos dessa história surgida durante uma visita de cortesia. Vou à casa
dos meus pais como frequento a de qualquer amigo e deito os meus olhos, pra me
deixar maravilhar. Eles agora são avós, o espaço volta a ter uma criança
fazendo barulho e algazarra e eu sinto cada vez mais vontade de
ter esse mesmo frescor juvenil, um filho, ser admirado por alguém, mesmo
sabendo que isso nem sempre acontece de pronto.
Aliás,
hoje acho que também cheguei a outra conclusão. A data do aniversário pode
ser a mais feliz e pode não ser. Posso receber telefonemas e comemorar. Ou não
fazer nada disso. Quando se tem amigos por perto qualquer dia pode ser
surpreendente. E é melhor que seja assim.