quarta-feira, 8 de abril de 2009

Traje passeio



- Vamos levar na mochila um calção de banho. Quem sabe q gente não encontra um lugar pra mergulhar.

- Imagine se algum de nós terá coragem com esse frio que faz.

A viagem programada com tanta ansiedade seria tão curta quanto o diálogo esmiuçado e a essa altura já estava pela metade. Depois de juntar uns cacarecos fomos a caminho da setecentista Ouro Preto. Na estrada, janelas abertas e uma rala névoa por cima do verde do lado de fora. A cidade encravada num vale tem uma forte carga de energia humana em suas ladeira e igrejas. Em frente a uma delas fiz um pedido.

Ele parece ter sido atendido por todo o caminho. Por entre os mirantes, do alto das montanhas que, nada mais subir, descem vertiginosamente. Por entre as montanhas, de onde menos se espera, surgem destemidas cachoeiras. À margem dos rios, os povoados se formaram na época áurea do pó dourado – quando ele ainda era considerado um divisor de águas.

Foi em Mariana que conheci Jaqueline. A única comerciante do distrito de Cachoeira do Brumado. Ela era a salvação daquela idéia de não ter posto a sunga dentro da bolsa. Depois de encontrar a queda d´água pensei em me livrar daquele jeans frouxo e entrar apenas de trajes sumários.

Claro que mais uma vez o mínimo de bom senso que me resta foi responsável por me fazer correr a chave do carro e sair em busca de uma loja no centro. Antes de encontrar a direção confesso que quase desisti. Mas como não se pode deixar tudo nas mãos dos santos, tive eu de me esforçar e tentar redimir a falha grotesca daquela manhã.

Apenas três paradas para pedir informação. Numa ruela igual às outras quatro encontrei uma janela de onde se avistava pouco mais de dez cabides pendurados. Era o único comércio da região. Uma tela verde impedia a entrada de insetos. Minha voz conseguia passar por ela, mas não foi suficiente para competir com o alto volume da televisão ligada perto dali.

Não vi campainha e arrisquei perguntar a vizinha, que disse: Jaqueline está na escola fazendo a comida pra o baile na praça. A escola estava situada na esquina. De dentro da cozinha, onde os quitutes estavam sendo preparados, arranquei a moça pelo braço e, juntos, saímos pela rua principal.

As peças eram tão cavadas quanto os biquínis asa delta usados nos anos 1980. Escolhi então um calção de listras azuis, verdes brancas e muitas outras cores. Como não havia provador e eu e a comerciante a tal altura já tínhamos muita intimidade, fui vestir no quarto onde dormia com seu marido.

Ou o espaço tinha sido monopolizado por ele ou ela era torcedora fanática do Cruzeiro e gostava de colecionar fotos de mulher pelada. As paredes estavam cheias dessas manifestações de auto-afirmação de adolescentes. Enfim, estranhei estar ali, mas a roupa me caiu muito bem. Tinha comprimento até os joelhos. Peguei outra do mesmo tamanho e levei. Duas bermudas, R$ 20,00.

Sentindo o movimento dentro da casa-loja, a filha de Jaqueline pulou no sofá. Curiosa que só ela, ouviu nossa conversa, mas tinha há pouco sido incapaz de atender aos meus gritos desesperados. Exercitei a paciência lhe oferecendo uma carona até o centro de artesanato, ao lado da cachoeira.

A água que caía de uns dez metros de altura estava tão gelada quanto a cerveja servida numa palhoça à beira. Foi uma tarde e tanto. No banho, todos os momentos foram registrados. Vão ficar impressos no papel fotográfico e nos arcabouços da minha memória, na pasta dos momentos mais felizes.

*Texto publicado na revista Vitrine.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Minha oferta

Aquela situação era tão ruim quanto imutável. Você sabia antes mesmo de ouvir, mas da minha boca não saiu apenas uma confirmação. São palavras de um homem resignado que aceitou arcar com o ônus da desconfiança indesejada na tentativa de varrer dali uma montanha de detritos. Um homem que quer viver sem expectativas, com combinações. E sabe que pode ser feliz assim.

Já não precisava trocar a roupa da cama, molhada e lavada de tristeza. Por leveza, restava apenas perfumar a casa, ouvir as músicas que só eu sei que são nossas e diluir o tom ora amargo da poesia, lembrando de quando quebrou o condicionador de ar e o calor te fez dormir livre, com roncos, requebros e meneios harmoniosos.

Não é novidade que eu só repouse depois, que te veja da forma mais desprotegida. Mas por uma noite deixei de lado minha metade contemplativa e fui só movimento. Começo cheirando suas orelhas e fungo o cangote, ainda apalpando as costas. De bruços, seu corpo deixa evidente o par de covas que parece sustentar a coluna. Ali, dedico mais tempo.

A mão desce um pouco mais, acaricia as coxas e no meio delas parece querer enfiar o dedo. Sinto a pele lisa, ignorando o atrito. Há apenas mansas curvaturas e meu desejo naquele quarto com pouca luz. E esse é o cenário ideal das minhas promessas.

Adormeço também embriagado, festejando a inobjetividade dos gestos para redescobrir o caminho já escolhido tempos atrás. Ao passar das sete o despertador soa. Ainda não recobrei meu estado de consciência, parece que apaguei de vez e me assusto com um beijo de despedida e solto um sorriso de canto, malemolente.

Hoje acordei brisa. Mesmo com o sangue ainda espalhado dos tragos de ontem. E além de palavras dedicadas te ofereço um punhado de mar pra falar sobre importâncias.