O braço direito formou um arco e o punho foi parar nas costas. Veio o impulso e ele abriu a mão, deixando saltar uma medalha. E então deslumbrou o mar com os olhos de menino, cantou os derradeiros versos enquanto seu lamento caia por sobre o rosto, fazendo líquida a maresia daquela última tarde de verão.
Havia mais de dez anos que estavam juntos. Durante alguns estiveram agarrados pelo pescoço. Noutros pelo pulso, ou mesmo pela lembrança guardada em uma caixa vermelha cheia de tranqueiras, de um passado ora quimérico, ora real.
Aquele pingente de metal era como uma gema milagrosa. Tinha dupla face. Em um lado a inscrição de uma jangada. Do outro, o desenho preferido do garoto que vivia com a cabeça no espaço: a cintura da constelação do equador celeste Órion, com as estrelas Alnitak, Alnilam e Mintaka – as Três Marias.
Aquele garoto não tinha nada de mais. Nenhum desenho gravado no corpo, nenhum jeito engraçado, nenhum trato com as brincadeiras de criança. Tinha um brilho no olho, mas só sua mãe conseguia enxergar. Ela também sabia disso e se sentia cada vez mais incomodada.
Para sair de casa o menino percorria um ritual. Estava sempre vestido de modo a tentar destacar o que não existia no corpo franzino. De quando em vez uma pulseira dourada ou uma corrente com um crucifixo pendurado. Assim parecia mais com outros da mesma idade e que sempre recebiam qualquer elogio, como trocados no semáforo.
Numa viagem à Recife, parou em frente a uma vitrine de loja. Puxou a mãe pelo braço e lhe disse: essa é minha medalha da sorte. Saiu de lá com ela pendurada em um rabo de rato de prata. O pingente em forma de gota não tinha a opacidade dos anos gastos, parecia refletir a exuberância do garoto.
Depois de tanto tempo a relação dos dois era mais que simples simbologia. Se passava pro um aperreio era só apertar, se fechando como dedos. Por isso foi tão difícil abrir a mão naquela hora. Mesmo ele já sendo um homem feito, chorou feito menino. Quiçá daquele gesto nasça uma nova alegria.
É saber que o oceano é imenso. Muito maior que aquele punhado de sonhos. Mas ainda que tão profundo, o mar terá mais uma desimportância na sua coleção de tesouros naufragados.
domingo, 14 de dezembro de 2008
terça-feira, 2 de dezembro de 2008
Vc tá on?
O modo é informal e a gente sempre começa um papo mais ou menos assim. Eu vivo me escondendo no MSN – essa revelação pode inclusive me render alguma encrenca, mas fiz comigo mesmo o juramento de não mentir ao menos aqui no blog. O Luis já sabe disso. A gente se conheceu na net mesmo, visitando o endereço um do outro. Eu escrevo bobagens e ele é letrado e fala sobre cultura. Mas mesmo com tantas diferenças a gente se entende.
Nunca me identifiquei muito com relacionamentos através de meios modernos de comunicação eletrônica. Até já escrevi isso há uns quatro anos, quando descobri que havia 100 dias que uma amiga que mora perto de mim, em Natal, namorava um cara que vivia em Goiânia e ela nunca tinha visto pessoalmente.
Era um transtorno encontrar e tentar estabelecer um diálogo com minha amiga. O celular dela não parava de tocar. Um som chato que significava mais um SMS chegando – e saindo logo em seguida, evidentemente. Mas não bastasse isso, os namorados jantavam juntos, em frente ao computador. Dividiam o mesmo rótulo do vinho e marca do yogurt de sobremesa. O cardápio invariavelmente era uma sopa instantânea de cenoura com erva doce. Eles acrescentavam azeite, limão e pimenta do reino. Foi assim até que os envelopes começaram a sumir das prateleiras do supermercado.
Ela, que teve usurpado o direito de permanecer em regime, tratou de resolver isso. Mandou um e-mail pro serviço de atendimento ao consumidor do fabricante da sopa. E recebeu em casa um cesta com vários outros sabores e a sugestão de que experimentassem as novidades. Aquele, infelizmente, tinha saído de linha.
Tive de ouvir muitas histórias desses dois. Por um bom tempo, inclusive. Quando acabou eu nem fiquei ciente do motivo, mas pelo que me consta eles nem chegaram a se encontrar. Difícil nisso tudo é dizer que não deu certo. O sorriso que ela sempre carregava era sinal de felicidade. E qualquer um conseguia ver. Eu nunca pequei por recriminar aquela relação, mesmo me causando certa estranheza.
Meu delay era de alguns anos. Há pouco comecei a entender melhor que as pessoas buscam conhecer outras pela rede mundial de computadores. Talvez sejam tímidas pra uma primeira conversa ao vivo. Talvez tenham preguiça de sair de casa sem saber se o cara tem algum cacuete como piscar os olhos repetidas vezes – isso me aflige um pouco.
Ainda não consigo ser vanguardista e achar normal alguém se produzir inteiro para ficar em frente a uma máquina com uma micro-câmera ligada, tentando seduzir outro. Mas não vou me apressar e dizer que nunca copiarei.
Eu ando fazendo amigos pela internet. E acho isso bacana. Claro que os laços só se estreitam quando a gente conhece, aperta a mão, abraça, quando existe tato, enfim. Dia desses, numa viagem, fui bater na cidade onde mora o Luis. Nós nunca tínhamos olhado no olho. Só comentávamos um no blog do outro e havia compartilhamento de outros textos e gostos.
Até que a gente se viu. E só se viu um dia. Mas que durou o dia inteiro. E agora parece que as afinidades aumentaram. Aliás, preciso dizer uma coisa em off, baixinho. Luis, vc tá aí?
Nunca me identifiquei muito com relacionamentos através de meios modernos de comunicação eletrônica. Até já escrevi isso há uns quatro anos, quando descobri que havia 100 dias que uma amiga que mora perto de mim, em Natal, namorava um cara que vivia em Goiânia e ela nunca tinha visto pessoalmente.
Era um transtorno encontrar e tentar estabelecer um diálogo com minha amiga. O celular dela não parava de tocar. Um som chato que significava mais um SMS chegando – e saindo logo em seguida, evidentemente. Mas não bastasse isso, os namorados jantavam juntos, em frente ao computador. Dividiam o mesmo rótulo do vinho e marca do yogurt de sobremesa. O cardápio invariavelmente era uma sopa instantânea de cenoura com erva doce. Eles acrescentavam azeite, limão e pimenta do reino. Foi assim até que os envelopes começaram a sumir das prateleiras do supermercado.
Ela, que teve usurpado o direito de permanecer em regime, tratou de resolver isso. Mandou um e-mail pro serviço de atendimento ao consumidor do fabricante da sopa. E recebeu em casa um cesta com vários outros sabores e a sugestão de que experimentassem as novidades. Aquele, infelizmente, tinha saído de linha.
Tive de ouvir muitas histórias desses dois. Por um bom tempo, inclusive. Quando acabou eu nem fiquei ciente do motivo, mas pelo que me consta eles nem chegaram a se encontrar. Difícil nisso tudo é dizer que não deu certo. O sorriso que ela sempre carregava era sinal de felicidade. E qualquer um conseguia ver. Eu nunca pequei por recriminar aquela relação, mesmo me causando certa estranheza.
Meu delay era de alguns anos. Há pouco comecei a entender melhor que as pessoas buscam conhecer outras pela rede mundial de computadores. Talvez sejam tímidas pra uma primeira conversa ao vivo. Talvez tenham preguiça de sair de casa sem saber se o cara tem algum cacuete como piscar os olhos repetidas vezes – isso me aflige um pouco.
Ainda não consigo ser vanguardista e achar normal alguém se produzir inteiro para ficar em frente a uma máquina com uma micro-câmera ligada, tentando seduzir outro. Mas não vou me apressar e dizer que nunca copiarei.
Eu ando fazendo amigos pela internet. E acho isso bacana. Claro que os laços só se estreitam quando a gente conhece, aperta a mão, abraça, quando existe tato, enfim. Dia desses, numa viagem, fui bater na cidade onde mora o Luis. Nós nunca tínhamos olhado no olho. Só comentávamos um no blog do outro e havia compartilhamento de outros textos e gostos.
Até que a gente se viu. E só se viu um dia. Mas que durou o dia inteiro. E agora parece que as afinidades aumentaram. Aliás, preciso dizer uma coisa em off, baixinho. Luis, vc tá aí?
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