Com doze anos de carreira e seis álbuns, a cantora Luiza Possi entrou
num mercado em transformação no início dos anos 2000 e enfrentou desafios, como
de resto aconteceu com diversos artistas. No Brasil,
milhares de quilômetros distante da terra das college radios que difundiram a
proposta do R.E.M., o mercado fonográfico do final dos anos 1990 foi marcado
pelo jabá e viciou gravadoras então acostumadas a vender
cópias de álbuns em volumes de pelo menos seis dígitos.
Registre-se essa informação para entender os motivos de Marcelo Camelo
- antes de se tornar um aclamado
compositor - e sua trupe hoje abominarem o primeiro single do homônimo Los
Hermanos: “Anna Julia”, a melódica trilha de uma banda que se intitulava
hardcore. Pagaram para divulgar a música em rádios por todo o país até que ela
foi tocada exaustivamente, grudou e cansou. Foi ali que se abriu o precedente
para que as gravadoras deixassem de investir na descoberta do novo e o
consumidor tivesse o ouvido destreinado para identificar propostas realmente
inovadoras.
Pouco mais de dez anos atrás foi preciso fazer uma revolução na forma
de consumir música para não cair no ostracismo do que era entregue pela grande
mídia. Reféns também eram os artistas que vinham de uma escola vibrante e
encontravam pouco espaço para atuar. Fugindo da condição de vítima, começaram a
disponibilizar músicas pela internet, o que só se consolidou apenas há pouco,
assim como o hábito do público de procurar pelos blogs os encontros em becos e outros
espaços fora do circuito, visitados por músicos alternativos.
O curso é irreversível: na rede surgem promessas musicais que depois
de milhares de visualizações e downloads conseguem espaço na TV e nas rádios.
Ou, tamanha é a velocidade, as duas coisas acontecem ao mesmo tempo. Não é por
acaso que cada vez mais artistas aceitam a exposição de realitys televisivos,
como observa Luiza Possi, que já julgou e treinou participantes do Ídolos, da
rede Record, e do The Voice Brasil, da Globo.
“A música sempre foi o primo rico do cinema, da literatura e
do teatro, mas isso mudou muito. A indústria fonográfica já chegou a ser a 12ª
do Brasil e hoje em dia ela é quase inexistente. Eu lembro que pouco tempo
atrás quando um artista falava que era independente, as pessoas olhavam com dó.
E hoje ser independente é um luxo. Artista independente se banca, investe onde
quer. A carreira tem para onde ir, tem horizonte. Apesar disso muita gente
procura espaço na mídia tradicional pra alavancar a carreira. A televisão é o
maior canal de exposição para um artista. É onde ele consegue chegar aonde ele
não chegaria sozinho. Digo isso por experiência própria: rádio tem um alcance,
internet tem outro, mas televisão é ‘o alcance”, analisa.
Os dados do mercado referentes ao ano de 2012 ainda não foram
consolidados, normalmente só saem no mês de abril. Mas desde o ano anterior já
houve sinais de aquecimento, justamente porque os novos músicos conseguem sair
dos guetos e ocupar outros espaços midiáticos que não a internet. A Associação
Brasileira de Produtores de Discos (ABPD) constatou em 2011 um crescimento de
8,4% no faturamento da indústria que chegou a R$ 373,2 milhões. CDs, DVDs e
Blu-Rays tiveram 7,6% mais saída e o formato digital foi ampliado em 12,8%.
Aliás, o digital segue sendo a terceira fonte de renda, respondendo
por 16%, mesmo que seja percentualmente a metade da média mundial. Os próximos
números, porém, podem surpreender, já que a chegada do iTunes, loja virtual da
Apple, ao Brasil, aconteceu apenas em meados de dezembro. Não houve um impacto
significativo, mas isso deve mudar, haja vista que o download de músicas
avulsas teve aumento de 310% na última medição.
“Ter identidade e independência é fundamental para o processo. Nenhuma
gravadora diz que acabou o dinheiro. Se o artista depende dela, quando se dá
conta já está preso, encalacrado”, ressalta Luiza.
Cheia de hormônios e nada blasé
Foi por isso que Luiza abriu ainda em 2006 seu próprio selo, o LGK Music,
tendo apenas a distribuição dos álbuns pela EMI/Som Livre. “Minha gravadora sou
eu, mas não estou sozinha. Nem quero essa responsabilidade de ter de decidir
todas as coisas. Gosto de contar com pessoas. Apesar de pensar em música pra
rádios e pra novela, elas tem de estar dentro do meu universo. Nunca vou gravar
algo que seja forçado.”
A cantora compõe e pela primeira vez tem um álbum sem a direção
artística do pai, o músico Líber Gadelha, e com a participação da mãe Zizi
Possi. “Trabalhei com meu pai até que não deu mais”, fala, sem detalhes, apenas
concluindo: “Hoje vejo minha família de um outro ângulo. Eu tenho de honrar
minhas raízes e esse dom, que é hereditário, e todas as oportunidades que meus
pais me deram.”
Zizi divide uma faixa com Luiza pela primeira vez, no sexto álbum da
carreira. E ela argumenta a falta de convite. “Não queria que meu trabalho
refletisse o da minha mãe. Ela já tem uma carreira que é linda e eu queria mostrar
que podia sozinha.” Poder sozinha é o que ela mostrou desde o início, ainda
adolescente. Enquanto Zizi pediu que aguardasse mais “uns três anos” para
gravar, ela dispensou os conselhos e se embrenhou num estúdio com orquestra e
tudo. “Sempre fui muito independente. Componho quase todas as faixas do meu CD.
Meu show é pra cima, dançante. Não estou numa fase Acústica e nem faço o tipo
blasé. Não sou dessas, tenho muito hormônio.”
Luiza, ninguém duvidaria dessa ebulição. Sua e de tantos outros
irrequietos.
Matéria publicada na sétima edição da revista LivingFor
Fotos: Ramón Vasconcelos